Por José Trindade
O oito de março deste ano ocorre em pleno carnaval, confluindo dois momentos importantes para brasileiras e brasileiros: a alegria dos festejos de Momo e a comemoração da luta permanente das Mulheres pela igualdade de direitos entre os gêneros.
A sociedade brasileira passa por alterações extremamente sensíveis nas últimas décadas, sendo que essas mudanças são de grande impacto nas relações de gênero e na própria participação das mulheres na divisão social do trabalho. Vamos resumir algumas dessas alterações com vistas a dar destaque no aspecto central no que diz respeito ao novo e velho papel das mulheres.
Estudo do Ipea publicado em 2010 intitulado “Desiguais responsabilidades familiares de Homens e Mulheres”, tendo como fonte de dados a Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar (PNAD) do IBGE de 2008, aponta três alterações importantes: primeiramente no âmbito da família, os núcleos familiares estão cada vez menores, sendo que “1992, a taxa de fecundidade total era de 2,8 filhos por mulher; em 2008 era de somente 1,8”, a tendência inclusive é de permanecer a redução, o que faz com que o arranjo familiar típico de casal com filhos venha perdendo importância. Ainda no âmbito familiar deve-se destacar que cada vez mais mulheres são identificadas como principais responsáveis pela família: “em 1993, 22,3% dos arranjos familiares eram chefiados por mulheres; em 2008, chegou-se a 35%”.
Um segundo conjunto de alterações sociais refere-se à concentração populacional e o processo de urbanização. A taxa de urbanização alcançou 83,8% em 2008, com as regiões metropolitanas concentrando quase 30% dos brasileiros. As repercussões desse processo se reflete, também, nas responsabilidades familiares e na crescente monetização das condições de vida, o que determina a participação de crescente número de membros familiares no mercado de trabalho para poder sustentar de forma básica o núcleo familiar.
A terceira alteração refere-se ao próprio processo de inserção feminina no mercado de trabalho. Neste aspecto duas mudanças sensíveis: a participação é crescente, de tal forma que “em 1998, 52,8% das brasileiras com 15 anos ou mais estavam ocupadas ou à procura de emprego, em 2008 já eram 57,6% as que participavam do mercado de trabalho”. Outra alteração refere-se a qualificação feminina, no nível superior para cada 100 alunos havia 133 alunas no ano de 2008.
Esse conjunto de aspectos sugerem as contradições de gênero estejam aos poucos convergindo para novas disputas e novos pontos de contradição. Em parte de fato a maior participação no mercado de trabalho impôs condições de maior respeito social e, também, maior poder político.
As contradições centrais passaram a se dar no nível da forma de inserção no mercado de trabalho e nas diferenças de remuneração. As mulheres trabalham proporcionalmente mais em posições precarizadas, segundo os dados da PNAD, “em 2008, 42,1% das mulheres ocupadas com 15 anos ou mais estavam em ocupações consideradas precárias. Eram empregadas sem carteira (13,7%), trabalhadoras domésticas (15,8%), trabalhadoras sem remuneração (6,3%), trabalhadoras na produção para o próprio consumo ou na construção para o próprio uso (6,3%)”.
Do mesmo modo, sob o ponto de vista da remuneração, o quadro é deveras desvantajoso para elas, vis-à-vis eles: em 2002, elas recebiam 62,6% da renda deles, já em 2008 chegaram a 65,5%, como pondera o estudo do Ipea, por mais que tenha havido melhoras, entretanto “caso não sejam adotadas ações especificamente voltadas para enfrentar as desigualdades de gênero, a equiparação não será alcançada nas próximas décadas”.
Além das contradições internas ao mercado de trabalho permanece a contradição central da dupla jornada: realização das atividades domésticas paralelas às ocupações externas. As atividades domésticas são, por assim dizer, quase convencionalmente atividade de gênero feminino. Mesmo com as enormes alterações havidas esse aspecto pouco se alterou.
Como analisam os autores do texto citado existe um agravamento desse processo, na medida em que a participação das mulheres mais escolarizadas no mercado de trabalho e possui renda familiar suficiente “delegue o trabalho doméstico a outra mulher”, em regime remunerado, ou de favores.
Os dados da PNAD citados no estudo do Ipea denotam essa contradição “das 16,5 milhões de mulheres ocupadas em posições de má qualidade em 2008, 6,2 milhões eram trabalhadoras domésticas. Esta é a ocupação que mais emprega brasileiras na atualidade. Em termos absolutos, vem crescendo nos últimos anos: em 1998, eram 4,7 milhões de trabalhadoras domésticas”.
Os dados apresentados reforçam a necessidade de políticas públicas, ação cível da sociedade como um todo, inclusive empresarial, que possa fortalecer as alterações positivas e reverter o quadro de negatividade e contradições ainda existentes nas relações de gênero, possibilitando “uma inserção mais democrática para homens e mulheres nos diferentes espaços da sociedade”.
[1] Nos apoiamos no artigo “Desiguais responsabilidades familiares de Homens e Mulheres”, publicado no livro “Perspectivas da Política Social no Brasil” pelo Ipea em 2010.
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