Espaço de debate, crônica crítica do cotidiano político paraense e de afirmação dos pressupostos de construção de um Pará e Brasil Democrático e Socialista!

Editor: José Trindade



terça-feira, 22 de março de 2011

Energia e Crise Capitalista: quais os limites?

Por José Trindade

Dois mega eventos sociais, climáticos e tecnológicos recentes reforçaram as enormes dúvidas e dilemas quanto as tecnologias energéticas hoje utilizadas. De um lado a crise social que se estende em todo Oriente Médio, com início nos conflitos da Tunísia e Egito, com as repercussões mais graves e a intervenção imperialista na Líbia, torna o mercado de petróleo e as decisões de produção e uso do combustível fóssil extremamente delicadas. Por outro, os cataclismos naturais que observaram no Japão, com a conseqüência resultante de desastres nucleares recorrentes, com os seis reatores do Complexo Nuclear de Fukushima sendo afetados gravemente, exteriorizando temores já existentes de que os planos de contensão e controle se tornam peças frágeis frente a condições que eventuais fenômenos não previstos, pelo menos na escala do que ocorreu.

O problema energético e ambiental é sem dúvida um dos aspectos mais controversos e interessantes do debate recente das condições de desenvolvimento econômico. Até muito recentemente estas questões eram tratadas como aspectos marginais e de só menos importância em termos econômicos. É interessante observar que, ironicamente, como pondera Eric Hobsbawm na Era dos Extremos, só depois de 1973, quando o cartel de produtores de petróleo, a OPEP, decidiu finalmente cobrar o que o mercado podia pagar, os ecologistas deram séria atenção às conseqüências ambientais do modelo de desenvolvimento econômico estruturado nos últimos dois séculos.

A expansão capitalista se processa inicialmente com o alargamento do uso capitalista de toda a natureza, alargando a produção mercantil até o limite em que a escassez de força de trabalho, por um lado, ou de insumos naturais (energéticos ou materiais), por outro, determinam um declínio paulatino das taxas de lucro. Será em resposta ao referido declínio da taxa média de lucro que se processará o movimento de ciclos de inovação tecnológica, com vistas ao aumento da mais-valia relativa, funcionando como força contrária à queda da taxa de lucro. As melhoras tecnológicas que possibilitam um barateamento dos recursos energéticos e materiais atuam no sentido de diminuir a participação de capital constante na massa do valor global destinado ao processo produtivo, reduzindo a composição técnica do capital e favorecendo a elevação da taxa de lucro.

O uso dos combustíveis fósseis e da eletricidade possibilitou, entre outros aspectos, uma aceleração dos ciclos do capital e contribuiu para a diminuição do tempo de rotação requerida, seja pelo uso mais dinâmico que conferiram ao transporte de mercadorias, possibilitando a circulação de grandes valores de capital-mercadoria, seja pelo aspecto daquilo que Lewis Mumford denominou de utilização do homem total, ou seja, a utilização intensiva da força de trabalho, em turnos ininterruptos, permitido pelo uso mais flexível da máquina-ferramenta e pela iluminação. Podemos afirmar que o combustível fóssil, por suas características, se tornou a forma energética mais conveniente ao modo de produção capitalista.

O desenvolvimento do maquinário industrial moderno possibilitou o uso vantajoso desse tipo de combustível, podendo-se enumerar quatro fatores que o tornam, por assim dizer, o combustível próprio da acumulação capitalista: i) sua capacidade energética favorece seu uso intensivo na indústria; ii) seus custos de produção eram decrescentes e sua elasticidade de oferta crescente; iii) tem grande mobilidade de uso, podendo alimentar os motores fabris com baixo custo de transporte; iv) seu uso nas máquinas de transporte (ferroviária e navegação a vapor) favoreceu a circulação de mercadorias.

O uso das formas contemporâneas de energia (fóssil e elétrica) possibilitou uma grande mobilização de capitais, ao ser empregada de forma indiscriminada na indústria, transporte, agricultura e serviços domésticos. O carvão mineral inaugurou essa capacidade de diversificação de usos, suas características energéticas possibilitaram a um só tempo a viabilização da caldeira industrial e da máquina de transporte que representou, no século XIX e para economia inglesa, o que o automóvel representará para a economia norte-americana no século XX: a locomotiva a vapor e a estrada de ferro.

Como nota Eric Hobsbawm em seu “A Era dos Extremos” foi à possibilidade de usos variados, seja na “máquina móvel”, seja na “máquina fixa”, que determinou a preponderância do carvão mineral enquanto um dos produtos característicos do capitalismo de fins do século XIX. O carvão mineral apresentava as três características básicas ao processo de acumulação capitalista: i) possibilita uma menor fixação de capital, ao acelerar o ciclo de acumulação via disponibilidade de uma crescente potência energética, que pode ser disponibilizada em frações eficientemente econômicas; ii) sua relativa polivalência possibilita um alto nível de participação em diversas atividades econômicas (da caldeira industrial à fundição do ferro); iii) suas condições de exploração determinaram, até meados do século XX, uma crescente elasticidade-oferta, não oferecendo obstáculos aos ciclos de acumulação.

A transição do modelo energético Inglês, fundado no carvão mineral, para o modelo energético norte-americano, fundado no petróleo, demorará ainda algumas décadas, porém já na primeira década do século XX já era notáveis a perda de poder do Império Britânico e sua rápida substituição pelas duas maiores economias que emergiam velozmente: a Alemanha e os EUA.

O chamado modelo fordista de desenvolvimento, baseado em um regime de acumulação e modo de consumo intensivo foi à marca da predominância do poder imperial do capitalismo norte-americano, principalmente a partir da segunda metade do século XX, sendo que o uso do petróleo como insumo energético cumprirá importante papel na dinâmica econômica desse modelo.

O modelo de desenvolvimento será tão marcado pelo uso do automóvel e pela específica forma de produção desse bem na linha de montagem preconizada e efetivada por Henry Ford, que o título fordismo denominará com grande exatidão o padrão de acumulação capitalista do século XX.

A extensão do desenvolvimento do automóvel nos EUA pode ser medida pela capacidade energética instalada no país, sendo que em 1935 dos 930 milhões de quilowatts disponíveis, três quartos correspondiam ao automóvel e somente 3,5% às centrais elétricas. Esse modelo se estende a um terço da humanidade após a segunda guerra mundial. Deste modo, por exemplo, em 1938 havia na Itália cerca de 750 mil carros particulares, o que representava somente 5% dos 15 milhões de automóveis rodando naquele país em 1975, como exemplifica Hobsbwm.

O balanço energético mundial é ilustrativo das dimensões e importância que o combustível fóssil (sólido, petróleo e gás natural) tomou na economia capitalista desenvolvida. O somatório de petróleo, gás e combustíveis minerais perfazem quase 70% do balanço energético mundial, segundo a Enerdata.

A polivalência de uso, cadeia de negócios que estabelece e o sistema de pesquisas e tecnologia, constituída em torno do petróleo levaram a desenvolver-se um segmento econômico dos mais diversificados. O controle desse segmento econômico por um cartel de grandes empresas (o grupo das “Sete Irmãs”) dos países centrais (EUA, Europa), expressa que o domínio sobre os combustíveis fósseis passa a oferecer um poder estratégico a quem os detêm ou controla. Martin, que estudou essa indústria na década de 90 observa que a indústria petrolífera do final do século XX é grandemente controlada por um pequeno número de empresa, as majors ainda controlam 40% do mercado mundial.

Em função da localização das jazidas, em grande parte centralizadas em regiões economicamente periféricas, acrescentou-se aos aspectos micro e macroeconômicos, fatores de políticas de Estado. A garantia de renda diferencial obtida por aspectos logísticos de exploração dos poços de petróleo e pelas políticas de controle estatal sobre as jazidas, levou ao aparecimento e expansão de empresas nacionais em alguns países produtores.

O mesmo Martin, citado acima, nota que 30 a 50 companhias petrolíferas são empresas nacionais públicas das quais as maiores dispõem de cinqüenta a duzentos anos de produção (no ritmo atual) contra oito a quatorze anos para as majors. Essa mudança no perfil da indústria petrolífera é somente aparente, as majors ao disporem de tecnologias, meios de financiamento e grande flexibilidade adaptativa, acabam por subordinar aos seus interesses e aos Estados das economias centrais, a capacidade produtiva global. De outro modo, caso os fatores de ingerência somente empresarial em algum momento falharem, resta o uso de políticas de boicote econômico, como se deu em relação ao Iraque na década de 90, ou, em último recurso, a própria intervenção militar imperialista, como foi visto em relação ao próprio Iraque nas duas guerras do Golfo e agora em relação a intervenção na Líbia.

Nos parece que estamos às portas de uma nova e mais grave crise energética capitalista, seja pelos problemas já evidenciados e analisados quanto a indústria de petróleo,considerando os fatores geopolíticos centrais a serem ponderados, porém, também agora a fragilidade estrutural que se mostrou em possíveis saídas tecnológicas que estavam sendo reabilitadas, especialmente a energia nuclear. O debate ambiental e econômico necessariamente se voltarão nos próximos anos para a viabilização de fontes energéticas com graus assemelhados da fonte fóssil padrão, porém sem os riscos dos complexos nucleares, o que obviamente nos coloca a enorme responsabilidade em relação ao avanço do uso da biomassa e da hidroeletricidade, pesando aspectos não somente de ordem econômica estrito senso, mas, principalmente, condicionantes sociais e ambientais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário