Espaço de debate, crônica crítica do cotidiano político paraense e de afirmação dos pressupostos de construção de um Pará e Brasil Democrático e Socialista!

Editor: José Trindade



terça-feira, 2 de julho de 2013

O estopim das crises

Nesses dias de intensa disputa social, econômica e política nas “terras brasilis”, vale muito a leitura do texto de Bernabucci com base nos estudos do prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz, publicado na revista Carta Capital de 18/06/2013 e aqui reproduzido, mais ainda quando setores de classe média desavisadamente manipulados pelas mídias das elites nacionais se voltam contrários a políticas sociais tão básicas e necessárias como o programa bolsa família.

O estudo de Stiglitz demonstra a relação inversa entre a concentração de renda e o crescimento econômico, o que parece óbvio para alguns, não parece para aqueles que retrucam contrários a distribuição de renda minimamente efetuada pelo referido programa social. Por último uma observação:  ao defendermos o Imposto Sobre Grandes Fortunas, compreendemos que a taxação aos ricos possa diminuir o triste perfil brasileiro de sociedade mundial mais desigual. Por outro, talvez, tenhamos nesta elevada desigualdade um dos componentes explicativos para as baixas taxas de crescimento da economia brasileira, mesmo porque,  por mais que tenha timidamente diminuído em função dos ganhos salariais e do programa bolsa família dos últimos anos, infelizmente ainda persiste, uma enorme concentração de renda e riqueza


Publicado em junho 18, 2013 (Carta Capital)
Quando o 1% mais rico concentra 25% da renda, explode a “bomba atômica econômica”, diz o Nobel Joseph Stiglitz
Por Claudio Bernabucci

A DESIGUALDADE mata o desenvolvimento. Se a riqueza se concentra em poucas mãos, a crise é inevitável. Parece quase uma observação banal- e de alguma maneira qualquer pobre já sabia disso -, mas a grande novidade é que, a partir de agora, essa verdade simples tem status de teorema.

Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia em 2002, sustenta que, se a riqueza está concentrada nas mãos de poucos, é fatal cair em estagnação e recessão econômica, como nos anos 1930. O axioma do economista norte-americano é demonstrado com dados incontestáveis e confere dignidade científica ao princípio de que desigualdade e polarização na renda prejudicam o crescimento e reduzem o PIB.

A oportunidade para apresentar os resultados extraordinários de sua pesquisa, uma espécie de pré-estreia mundial, foi a soa reunião científica da Sociedade Italiana de Economia, Demografia e Estatística (Sieds), ocorrida em Roma, nos últimos dias de maio. Stiglitz, que na mesma linha de pesquisa publicou, em janeiro passado, o impactante livro O Preço da Desigualdade, apresentou na Universidade Europeia de Roma o fruto de seus estudos mais recentes, elaborados com seu principal colaborador italiano, o professor Mauro Gallegati.

O teorema de Stiglitz é baseado na constatação empírica do que os economistas definem como “propensão a consumir”: os ricos a têm em grau menos acentuado do que a classe média. Portanto, se a distribuição de renda os favorece além de certos limites, o consumo, ao contrário do que se poderia imaginar, fica deprimido. Somente uma classe média bem-sucedida e favorecida pela distribuição de renda tende a consumir todos ou quase todos os seus recursos, sustentando o PIB do próprio país e a economia global.

O gráfico apresentado por Stiglitz é muito eloquente: quando o 1% mais rico da população se aproxima de possuir 25% da renda, explode a “bomba atômica econômica”. Aconteceu na Grande Depressão dos anos 30 e se repete nesta década, com episódios menores no caminho das crises.

A pesquisa ítalo-americana ameaça ter efeito devastador entre as filas neoliberais. “Os defensores da desigualdade argumentam que assegurar mais dinheiro para os mais ricos produz benefícios para todos, porque isso levaria a maior crescimento”, escreve Stiglitz em seu relatório. “Trata-se de uma ideia chamada trickle-down economics (economia com efeito cascata). Ela tem longo pedigree, mas, faz tempo que tem sido desacreditada.”

Resumido em poucas linhas, o teorema se autoexplica de maneira muito clara, como equação aritmética ou fórmula química não particularmente complicada. É baseado na relação entre o Índice de Gini (ou seja, o indicador de desigualdade inventado pelo economista italiano Corrado Gini) e a teoria da “propensão marginal a consumir”. Quando o primeiro aumenta e indica o incremento da desigualdade, a classe média freia ou para de consumir. Em consequência, o “multiplicador” de investimento diminui, afetando o PIB e a evolução econômica positiva.

O teorema de Stiglitz sobre “distribuição e multiplicador” pode ser sintetizado na seguinte definição: se a má distribuição da riqueza acentua a desigualdade, então a propensão marginal ao consumo (C)diminui e o Índice de Gini (G) aumenta, o que provoca a diminuição do valor do multiplicador econômico, com base na fórmula > ml = 1/(1- C)k (1/1-G).

A elite econômica mundial, dessa forma, fica sem argumentos. Tudo indica que a equação de Stiglitz representa o ataque mais formidável até agora lançado aos já vacilantes fundamentos da economia mainstream. Pelo menos na batalha teórica. Faz alguns meses, o primeiro golpe foi dado diretamente pelo FMI, que desafiou o dogma da austeridade ao calcular que o corte do déficit de 1%pode reduzir o PIB em até 2% e não só – como se acreditava até então – em 0,5%.

A segunda pancada foi acertada poucas semanas atrás por um grupo de estudantes do Instituto de Tecnologia do Massachusetts (o famoso MIT de Boston): ajudados por alguns professores, eles descobriram um erro no programa de planilhas Excel. Com base nesse achado, desmontaram consequentemente a teoria da dívida de Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart – um dos emblemas do neoliberalismo -, segundo a qual a relação entre PIB e dívida acima de 90% leva inevitavelmente à recessão. Enfrentado pelos estudantes-Davi, o axioma-Golias teve a cabeça cortada.

Esse último assalto ao neoliberalismo da dupla Stiglitz-Gallegati mostra-se ainda mais perigoso do que os precedentes. Segundo o Prêmio Nobel, a desigualdade corrói o PIE até matá-lo, não só por causa da queda do consumo, mas também porque o sistema em que prevalecem renda, concentração financeira e monopólios é ineficiente. “A caça à renda”, comentaram os dois pesquisadores, “leva muitas vezes a um desperdício de recursos que reduz a produtividade e o bem-estar.”

Isso reforça a tese da insustentabilidade de um sistema capaz de permitir uma grande parte do rendimento e da riqueza nas mãos de poucos. Nas últimas três décadas, o mundo tornou-se cada vez mais rico, mas a distribuição de rendimentos entre países e entre classes sociais de um país ficou cada vez mais desigual. Isto significa que os ricos têm se apropriado de uma porcentagem enorme do crescimento e do incremento da produtividade.

Como corolário de tal concentração (e bem descrito no gráfico ao lado), na última década em particular verificou-se um tremendo abismo entre a economia real e o setor financeiro, com enormes capitais a se acumular e circular livremente no mundo globalizado como uma nuvem pouco transparente e ameaçadora. Dessa nuvem não chove a riqueza benéfica dos investimentos nem a bonança para o planeta. Muito pelo contrário, ela tende a se reproduzir predominantemente através da dinâmica perversa dos artifícios financeiros: dinheiro cria dinheiro sem produzir trabalho ou justiça social. Além de desigual e eticamente inaceitável, essa situação só abre céus azuis ou bem-estar para poucos e tempestades ou sofrimentos para os demais.

A redistribuição concertada de riqueza e rendimento tem sido essencial para a sobrevivência de longo prazo do capitalismo. Estamos prestes, portanto, a assistir ao ocaso das formas mais perversas do neoliberalismo que infestaram a história recente. Quanto mais forte for a resistência à mudança por parte dos defensores do status quo econômico-financeiro, piores consequências sofrerão o sistema e as partes mais vulneráveis dele.
Nesse quadro, o Brasil da última década apresenta-se como uma das experiências mais promissoras, pois caminha em direção oposta ao mainstream. Mesmo perdurando a gravíssima desigualdade, fruto de uma herança secular maldita, um presente ofensivo da elite nacional à história pátria o processo de redistribuição de renda cresceu nos últimos anos de maneira acentuada. Isso se deve à política econômica – desenvolvimentista e antineoliberal – iniciada em 2003, que teve papel fundamental na melhora do desempenho do País.


A nova teoria do norte-americano Stiglitz e do italiano Gallegati confere dignidade cientifica também à política econômica lulista dos últimos dez anos, goste ou não a elite brasileira.

sábado, 29 de junho de 2013

Quilômetros de poucas verdades

Por Zé Lins

Como expressar tantas vontades reprimidas,
incontidas incoerências
em vozes ferventes.
 Melhor então gritar,
reclamar em mil temas,
em decentes ideias,
 em delirantes cartazes.
 Não filtre meu blog,
não bloqueie meu site,
nem oculte minha aparição no teu face!
 Melhor então esfaimar meu querer,
suar pensamentos,
proclamar mal estar.
Meu canal de diálogo está aberto!

Incoerente te digo:
                não cales antes do amanhecer,
                               nem adormeças até antes do perecer.

Como então expressar tão vagas ideias,
                se tudo mudou,
porém  tudo está tão igual e  ao mesmo  tempo tão diferente.
Melhor então escutar,  mas silenciar nunca ao nada.
Espalmar as mãos nuas na volta de casa, pois tudo tem explicação! 

Concentração de Renda e Regressividade Tributária no Brasil

Por José Trindade

Defendemos o Imposto Sobre Grandes Fortunas e o texto que segue estabelece a relação entre a concentração de renda e riqueza nacionais e o problema da chamada regressividade tributária: forma de fazer com que os ricos paguem menos tributos e os pobres paguem mais, característica histórica e estrutural do Sistema Tributário Brasileiro, o que urge ser modificado para alcançarmos uma nação mais justa e democrática.

O Brasil é reconhecido internacionalmente como o país de maior concentração de riqueza e renda no mundo. Emir Sader corretamente traduz esse aspecto da realidade brasileira como o centro dos reais problemas nacionais. Vejam vocês, não é um problema que diríamos ser de forma genérica “do capitalismo”. Essa forma de desenvolvimento econômico, de fato, tem no seu DNA o anátema da concentração de renda e riqueza, isso é verdade, e é reconhecido por gente como Marx e até por apóstolos do capitalismo como Keynes.

O problema é que no caso brasileiro esse DNA parece doentio, a concentração de renda é tão intensa que os 10% mais ricos recebem 68 vezes o que os 10% mais pobres recebem, na França, por exemplo, essa razão (chamada P90/P10) é de 9,2 e nos EUA são 15,7. No Brasil a concentração de renda é tão intensa que o índice P90/P10 está em 68 (2001), ou seja, para cada Dólar que os 10% mais pobres recebem, os 10% mais ricos recebem 68. O Brasil ganha apenas da Guatemala, Suazilândia, República Centro-Africana, Serra Leoa, Botsuana, Lesoto e Namíbia. 

Aspecto importante é visualizar como esses 10% mais ricos estão distribuídos, o estudo do IBGE, com base no Censo de 2010, nos permite visualizar a distribuição da riqueza neste bloco de “afortunados”.  Por “10% mais ricos”, leia-se aquele grupo de pessoas com renda mensal acima de três salários mínimos, ou R$ 1.530 pelos valores do mínimo de 2010 (R$ 510), considerados pelo instituto. O número parece absurdo: como pode alguém com salário de R$ 1.500 por mês estar entre a fatia dos mais ricos do país?

A conta é simples: o IBGE considera que a população brasileira tem mais de 190 milhões de pessoas. Dessas, em torno de 5% (ou 9,5 milhões), ganham algo entre três e cinco mínimos por mês. Outros 6,8 milhões, ou 3,6% do total, têm renda entre cinco e dez salários, ou R$ 2.550 e R$ 5.100. Para completar, 1,2% da população, o equivalente a 2,2 milhões de pessoas, recebe acima de dez salários, mas menos de 20 mínimos, ou R$ 10.200. E só 760 mil (0,4% da população brasileira) têm a sorte de ganhar acima disso por mês. Deste modo podemos chegar ao famoso 1%, na verdade menos 0,4% da população brasileira que respondem pelo enorme e intricado problemas nacionais, são neles (esses 760 mil indivíduos) que devemos nos concentrar. São neles que a Receita Federal deveria e pode mirar, sendo o IGF (Imposto Sobre Grande Fortuna) possibilitaria a maior contribuição dessa faixa e garantir a redução dos tributos indiretos tão nefandos e a diminuição da concentração de renda e riqueza.

Regressividade Tributária e Concentração de Renda: o busílis brasileiro
A justiça fiscal e a capacidade de pagamento em conformidade com a renda e riqueza disponível. A atual estrutura tributária brasileira baseia-se em grande medida na chamada tributação indireta, ou seja, impostos que incidem sobre o consumo dos bens e serviços produzidos. Segundo dados do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) a tributação sobre o consumo representa 15,2% do PIB, seguida pela renda (7,8%) e folha de pagamentos (6%), enquanto a tributação sobre operações financeiras (0,7%) e sobre o patrimônio (1,1%) é muito reduzida.

A regressividade tributária é antes de tudo um nome feio, mas além de um “palavrão” é, literalmente, uma forma de distribuir renda ao contrário, ou seja, tirar do pobre e passar para o rico. Os tributos desse tipo são, geralmente, indiretos, ou seja, quem paga não é quem recolhe o mesmo. O melhor exemplo é o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), quem recolhe é o empresário (Supermercadista, Industrial, etc.), mas quem paga é o consumidor final.

Como funciona a regressividade? Considere, por exemplo, o caso de uma coca-cola, a alíquota do ICMS, vamos supor, seja de 18% sobre o preço de fábrica, assim o ICMS = 0,18* R$5,00=0,90. Caso você ganhe um salário mínimo (R$678,00) ao consumir vinte garrafas terá pagado em tributo de mais de 2,5% de sua magra renda (18/678). Suponha, porém, que ganhe dez salários mínimos (R$ 6.780,00), ao consumir as vinte garrafas terá pagado, aproximadamente, 0,2% de tributo (18/6.780). Portanto, para esse tipo de imposto, conforme cresce a renda menor a carga tributária.

O gráfico abaixo ilustra perfeitamente nosso exemplo.  Quem ganha até dois salários mínimos paga o dobro de tributos indiretos de quem ganha mais de trinta salários mínimos.



















Assim, esse tipo de tributação, que representa a maior parte da carga tributária brasileira (40% em média), penaliza os setores de menor renda e agrava o já crível quadro de desigualdade econômica e social brasileiro. Como constatamos em recente estudo feito na Universidade Federal do Pará: “Os pobres pagam proporcionalmente três vezes mais ICMS que os ricos, elevando assim, o nível de desigualdade praticada que tem prejudicado de forma acentuada, crescente e injusta as camadas da população de menores rendimentos (...) atestando que há sim uma grande relação entre regressividade tributária e concentração de renda”.

 Conferir:

http://www.ipeadata.gov.br/

segunda-feira, 24 de junho de 2013

EMIR SADER EM BELÉM

Nesta quinta (27/06) às 14hs o Prof. Emir Sader estará em Belém. 
Excelente oportunidade para discutirmos os rumos do Brasil.


domingo, 23 de junho de 2013

O PREÇO DO PROGRESSO

Por Boaventura de Sousa Santos
Com a eleição da Presidente Dilma Rousseff, o Brasil quis acelerar o passo para se tornar uma potência global. Muitas das iniciativas nesse sentido vinham de trás mas tiveram um novo impulso: Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente, Rio +20, em 2012, Campeonato do Mundo de Futebol em 2014, Jogos Olímpicos em 2016, luta por lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU, papel ativo no crescente protagonismo das "economias emergentes", os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), nomeação de José Graziano da Silva para Diretor-Geral da Organização da Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), em 2012, e de Roberto Azevedo para Diretor-Geral Organização Mundial de Comércio, a partir de 2013, uma política agressiva de exploração dos recursos naturais, tanto no Brasil como em África, nomeadamente em Moçambique, favorecimento da grande agricultura industrial sobretudo para a produção de soja, agro-combustíveis e a criação de gado.
Beneficiando-se de uma boa imagem pública internacional granjeada pelo Presidente Lula e as suas políticas de inclusão social, este Brasil desenvolvimentista impôs-se ao mundo como uma potência de tipo novo, benévola e inclusiva. Não podia, pois, ser maior a surpresa internacional perante as manifestações que na última semana levaram para a rua centenas de milhares de pessoas nas principais cidades do país. Enquanto perante as recentes manifestações na Turquia foi imediata a leitura sobre as "duas Turquias", no caso do Brasil foi mais difícil reconhecer a existência de "dois Brasis". Mas ela aí está aos olhos de todos. A dificuldade em reconhecê-la reside na própria natureza do "outro Brasil", um Brasil furtivo a análises simplistas. Esse Brasil é feito de três narrativas e temporalidades.
A primeira é a narrativa da exclusão social (um dos países mais desiguais do mundo), das oligarquias latifundiárias, do caciquismo violento, de elites politicas restritas e racistas, uma narrativa que remonta à colónia e se tem reproduzido sobre formas sempre mutantes até hoje. A segunda narrativa é a da reivindicação da democracia participativa que remonta aos últimos 25 anos e teve os seus pontos mais altos no processo constituinte que conduziu à Constituição de 1988, nos orçamentos participativos sobre políticas urbanas em centenas de municípios, no impeachment do Presidente Collor de Mello em 1992, na criação de conselhos de cidadãos nas principais áreas de políticas públicas especialmente na saúde e educação aos diferentes níveis da ação estatal (municipal, estadual e federal).
A terceira narrativa tem apenas dez anos de idade e diz respeito às vastas políticas de inclusão social adotadas pelo Presidente Lula da Silva a partir de 2003 e que levaram a uma significativa redução da pobreza, à criação de uma classe média com elevado pendor consumista, ao reconhecimento da discriminação racial contra a população afrodescendente e indígena e às políticas de ação afirmativa e à ampliação do reconhecimento de territórios e quilombolas e indígenas.
O que aconteceu desde que a Presidente Dilma assumiu funções foi a desaceleração ou mesmo estancamento das duas últimas narrativas. E como em política não há vazio, o espaço que elas foram deixando de baldio foi sendo aproveitado pela primeira e mais antiga narrativa que ganhou novo vigor sob as novas roupagens do desenvolvimento capitalista todo o custo, e as novas (e velhas) formas de corrupção. As formas de democracia participativa foram cooptadas, neutralizadas no domínio das grandes infraestruturas e megaprojetos e deixaram de motivar as gerações mais novas, orfãs de vida familiar e comunitária integradora, deslumbradas pelo novo consumismo ou obcecadas pelo desejo dele.
As políticas de inclusão social esgotaram-se e deixaram de corresponder às expectativas de quem se sentia merecedor de mais e melhor. A qualidade de vida urbana piorou em nome dos eventos de prestígio internacional que absorveram os investimentos que deviam melhorar transportes, educação e serviços públicos em geral . O racismo mostrou a sua persistência no tecido social e nas forças policiais. Aumentou o assassinato de líderes indígenas e camponeses, demonizados pelo poder político como "obstáculos ao desenvolvimento" apenas por lutarem pelas suas terras e modos de vida, contra o agronegócio e os megaprojetos de mineração e hidrelétricos (como a barragem de Belo Monte, destinada a fornecer energia barata à indústria extrativa).
A Presidente Dilma foi o termómetro desta mudança insidiosa. Assumiu uma atitude de indisfarçável hostilidade aos movimentos sociais e aos povos indígenas, uma mudança drástica em relação ao seu antecessor. Lutou contra a corrupção mas deixou para os parceiros políticos mais conservadores as agendas que considerou menos importantes. Foi assim que a Comissão de Direitos Humanos, historicamente comprometida com os direitos das minorias, foi entregue a um pastor evangélico homofóbico e promove uma proposta legislativa conhecida como “cura gay”. As manifestações revelam que, longe de ter sido o país que acordou, foi a Presidente quem acordou.
Com os olhos postos na experiência internacional e também nas eleições presidenciais de 2014, a Presidente Dilma tornou claro que as respostas repressivas só agudizam os conflitos e isolam os governos. No mesmo sentido, os presidentes de câmara de nove cidades capitais já decidiram baixar o preço dos transportes. É apenas um começo. Para ele ser consistente é necessário que as duas narrativas (democracia participativa e inclusão social intercultural) retomem o dinamismo que já tiveram. Se assim for, o Brasil estará a mostrar ao mundo que só merece a pena pagar o preço do progresso, aprofundando a democracia, redistribuindo a riqueza criada e reconhecendo a diferença cultural e política daqueles para quem progresso sem dignidade é retrocesso.

Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).

sábado, 22 de junho de 2013

ARRASIA


Por Zé lins

Na rua nos vemos
encantados, indistintos, imolados!

Na rua te encontro
           suada, confusa e bela!





Não há brisa,
                não há calma,
                               somente berros.

Não gritos de dor,
                talvez de amor,
                               alguns de rancor,
                                               quase todos de destemor!

Na rua nos encantamos,
                sem frases já feitas,
                               sem direções já ditas,
                                               sem mal humores impossíveis.

Preparei mil poemas para te dizer,
                ali na rua, nos gritos,
                               nos encantos dos encontros.

Na rua te entreguei mil poesias e flores,
                               de mar, de além-mar,
                                               quase todas de sonhar!
Na rua te vi sorrisos,
                sonhos impossíveis:
                               O Brasil do Encantar!

Para toda moçada que está nas ruas, que esteve nas ruas e sempre estará: como juventude que sonha e encanta.
Para a geração de 60’s e 70’s que estavam nas ruas contra a ditadura!
Para minha geração da década de 80’s que lutamos pelas Diretas Já e Meia-passagem!
Para geração da década de 90’s, que lutou contra o neoliberalismo e Collor e estava nas ruas!
Para esta geração que luta pelo Brasil radicalmente democrático!
Para minha Lua, que está nas ruas!
EU SOU DILMA E VIDA!
DEMOCRACIA E SOCIALISMO: PRESENTES!!!!


sexta-feira, 21 de junho de 2013

IMPRESSÕES E EXPRESSÕES DE UM MILITANTE DE ESQUERDA

Publico abaixo as notas de um companheiro que, tal como todos, buscam analisar o atual quadro de mobilizações e manifestações nacionais, não havendo certezas e sim muitas dúvidas. Abrimos nosso espaço para o debate franco e fraterno, sabendo que "quem sabe faz a hora, não espera acontecer", como, talvez, tenhamos sido pegos no contra-pé da história, o melhor seria refletirmos e buscarmos construir com máxima urgência, uma agenda de discussões e propostas para a sociedade, inclusive para o governo do PT. Segue o texto.

Por Marcelo Carneiro (Professor Associado da Universidade Federal do Maranhão)

Caros Amigos,

Meu sentimento hoje é semelhante ao de nossa derrota em 1989, apenas com uma pequena diferença. Naquele ano, mesmo derrotado, achava que tínhamos a história ao nosso lado, pois a contávamos com um formidável capital militante em nossas organizações sindicais, populares e estudantis. Hoje, vejo essa energia militante nas ruas, mas, não consigo prever para onde ela será canalizada.
Passando aos fatos e suas possíveis consequências:
1.       Creio que a base material do movimento é um descompasso entre o bem-estar anunciado (associado, no caso do RJ às obras estruturantes da Copa e das Olimpíadas) e a qualidade dos serviços públicos em nossas grandes cidades, especialmente o transporte.
2.       A propagação do movimento para outros centros, menos afetados por essas questões pode ser explicado pelas abordagens que foram desenvolvidas sobre os ciclos de protestos (Tilly e Tarrow) a partir dos movimentos de contestação social na Itália do final dos anos 1960.
3.       O sentimento anti-política é compreensível, uma vez que passamos os últimos anos (pós-mensalão) convivendo cotidianamente com o tema da corrupção partidária, que, ao contrário do que esperava a direita, não atinge somente o PT.
4.       Minha expectativa é que somente algo como o partido-movimento da Marina seja poupado desse tipo de sentimento.
5.       As organizações tradicionais dos movimentos sociais também não conseguem inserção no movimento, em alguns casos porque ele não lhe diz respeito diretamente (penso no movimento sindical urbano) ou porque foram ultrapassadas (movimento estudantil).
6.       No momento assistimos a uma intensa disputa pelo sentido das mobilizações, será essa disputa que dará o tom final do movimento.

Deixo agora as constatações e passo para as conjecturas.

7.       O pragmatismo político do PT foi colocado em xeque. O abandono da mobilização social e de bandeiras  tradicionais de esquerda corroeu o capital simbólico do partido junto a juventude e aos setores médios da sociedade;.
8.       Duas opções se colocam: tentar mobilizar a maioria silenciosa contra a onda de protestos (penso que foi um pouco do que o Rui Falcão tentou fazer) ou procurar uma mudança na condução partidária (em crises desse tipo, alguns partidos socialdemocratas saíram revigorados com o fortalecimento de suas juventudes).
9.       O problema é que não vejo uma juventude ou ala esquerda do partido capaz de liderar esse processo, pois as novas lideranças já foram absorvidas pela máquina estatal ou pela necessidade de reprodução de suas estruturas parlamentares.
10.   Não sou muito otimista sobre a capacidade do movimento em produzir mudanças mais profundas no sistema político, pois, não vejo perspectivas de canalização das energias da rua para um móvel de mudança institucional concreta e o sistema político brasileiro é muito resiliente.

Minha expectativa é a do reforço de uma liderança do tipo da Marina, cuja imagem acredito que é a que mais se aproxima de parte do ideário (vítima das burocracias partidárias, pro-sustentabilidade, pro-novas formas de participação, etc.) do que tem sido verbalizado nas ruas.
Esse seria o cenário menos negativo para a esquerda. Porém, temo que nem essa perspectiva se viabilize.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

OCUPPY AS RUAS E A APRENDIZAGEM SOCIAL

Por Zé Lins

Nas manifestações de ruas pelo país a fora, houve-se inúmeras palavras de ordem, diversificadas e, ao que parece, somente palidamente uniformizadas em torno das lutas por transporte público digno e de qualidade. Tratar dessas manifestações com menos espanto ou algo que me pareceu de “beata santidade”: “que nunca tínhamos presenciado este nível de insatisfação popular”, parece ser a melhor postura a se tomar. Sendo assim vejamos um pouco de relato pessoal desse que vos fala.

Corriam os idos de 1987, aquele ano de ressaca da assim chamada “Nova República” tinha iniciado com grandes manifestações de rua, sendo que a pauta de reivindicação era muito parecida com a atual: educação, qualidade de vida, transporte digno. Naquela época momentaneamente ocupei a Vice-presidência da então aguerrida Comissão dos Bairros de Belém (CBB), sendo que a luta pelo transporte (linhas de ônibus e meia-passagem) era a base das reuniões entre a CBB, Centros Comunitários, Grêmios Estudantis, União Metropolitana dos Estudantes Secundaristas (UMES) e Diretório Central dos Estudantes (DCE).

Na época, bem distante da existência das redes sociais virtuais ou até mesmo do acesso a formas de comunicação de massa, a mobilização era na base do “mimeógrafo” e, pasmem, mimeógrafo a álcool. Boa parte do trabalho de convencimento social era no “boca-a-boca” e nas “panfletagens”, muitas das quais serviam não somente para convencer mais, também, como ninguém é de ferro, “cantar” as meninas.

O ano de 1987 foi marcado pela maior manifestação de rua que Belém presenciou na pós-ditadura militar, a Greve Geral de agosto daquele ano paralisou, por uma semana de confrontos e manifestações, todo o país. Em Belém, além das manifestações, buscamos organizar “ações radicalizadas” nos bairros. Vale aqui, neste breve release de memória, rememorar que juntamente com diversos companheiros, hoje a maior parte “barrigudos” e “assustados”, fabricamos “miguelitos” com o objetivo de “estourar” os pneus dos ônibus e pará-los, evitando sua circulação.

Bem, eu poderia continuar o relato, mas me interessa tratar do que considero mais importante: o movimento de rua enquanto aprendizagem social. De fato, não há mecanismo mais rico de aprendizagem e de construção de sociedades radicalmente democráticas que os movimentos reais de luta social e de manifestações de ruas.


Ressuscitando alguém que mete medo até a medula de tantos quantos “Jabors” existirem: “...há dias que valem por cem anos...” (Lênin). 

terça-feira, 18 de junho de 2013

A boa luta e a boa interpretação da conjuntura

Por José Trindade

Tomar as ruas sempre foi uma boa solução, como também entender tão claramente quanto seja possível os fatos em movimento. 

O entendimento critico e radical das manifestações em curso passa pela necessária compreensão de dois fatos que nos parecem óbvios em relação a sociedade brasileira atual: primeiramente, vivemos um dos momentos de maior busca por identidade nacional dos últimos cinquenta anos e; segundo, temos um grande contingente de juventude que busca exercitar a cidadania da luta por seus direitos.

Vale observar que os períodos de ditadura (militar e neoliberal) que foram, infelizmente, sequentes, sufocaram a capacidade critica e de pensar da sociedade brasileira (nas décadas de 1970 e 1990, respectivamente), sendo que os poucos anos entre o fim da ditadura militar (1985) e o início da ditadura neoliberal (1992), foram  marcados  por intensa movimentação social (diretas já; meia-passagem; constituinte livre; impeachment de Collor), sendo que o emergir  do projeto neoliberal enquanto projeto hegemônico na sociedade brasileira (eleições de Fernando Henrique Cardoso),  açambarcou fortemente as condições de radicalização democrática brasileira.

Vale lembrar que as condições de “acumulo de forças” na luta contra as ditaduras, esteve na base da construção de um projeto de sociedade nacional democrática  e das organizações da sociedade civil que fundamentaram o projeto social-reformista de Lula e Dilma.

O que temos agora, ainda muito embrionário, parece ser fruto da convergência de cinco fatores que necessitam ser melhor pensados e devidamente analisados:

i) O esgotamento do reformismo centrado em políticas compensatórias. Como muitos sabemos a agenda mínima dos governos Lula e Dilma já se realizaram, óbvio que a manutenção de políticas públicas como bolsa família e outras terão que ser institucionalizadas (talvez, até, constitucionalizadas), assim como a dinâmica de elevação da “demanda agregada” por uma meta de valorização do salário médio da economia terão que ser mantidos, isso chamaríamos de agenda “mínima” keynesiana do reformismo petista. Essa agenda mínima tem que ser superada positivamente, propondo-se um conjunto de reformas que terão que ser pactuadas com a sociedade.

ii) A precariedade urbana e ausência de políticas de mobilidade urbana nas cidades brasileiras.  Não poucos estudos já sinalizaram os enormes déficits sociais de nossas cidades, fruto, em parte, da acelerada urbanização e periferização decorrente do padrão concentrador de renda da sociedade brasileira e da especulação com o solo urbano. A reforma urbana já estava prevista nas chamadas reformas de base do governo Jango, que, como sabemos, foram interrompidas no nascedouro, pelo golpe militar de 1964. Nesta agenda de reforma urbana, se inscreve políticas públicas de mobilidade urbana (transporte público de qualidade e a preços subsidiados).

iii) A capacidade de comunicação e interação das redes sociais. Como em outros países, o atual movimento experimenta o poder de comunicação em tempo real das redes sociais, algo que já tínhamos conhecimento, mas que somente agora experimentamos efetivamente. Viver é aprender, mas, sobretudo criar.

iv) O “bônus demográfico” e seu duplo reflexo: expansão da população em idade ativa e do mercado de trabalho. Até então, esse termo parecia jargão somente de estatístico e economista, o Brasil passaria por um tal “Bônus Demográfico”, único para cada país a cada cem anos.  O Bônus demográfico é o momento em que a estrutura etária da população atua no sentido de facilitar o crescimento econômico, isso acontece quando há um grande contingente da população em idade produtiva e um menor número de idosos e crianças. Nos últimos dez anos o mercado de trabalho brasileiro se expandiu, se beneficiando do crescimento da formalidade econômica e também do maior contingente populacional em idade ativa. Não há como isolar as reinvindicações por transporte público desta especifica realidade.

v) “The last”, mas sem ser a menos importante, ou quiçá a mais importante: o peso da juventude e a necessidade de alto-expressão. Ao analisarmos a pirâmide etária brasileira: quase 27% da população brasileira era constituída em 2010 por jovens entre 15 e 29 anos (51,3 milhões, aproximadamente, conforme o Censo do IBGE), sendo que, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD, 2007), do total de jovens  30,6% podem ser considerados pobres, pois vivem em famílias com renda domiciliar per capita de até meio salário mínimo (conferir: Juventude e Políticas Sociais no Brasil, Ipea, 2009). Esse enorme contingente sempre foi a vanguarda de mobilização em qualquer país (lembrar do “Maio de 1968”; “Diretas Já”; “Fora Collor”, etc.), não há motivos para se pensar que a juventude se aquietou ou se tornou somente “virtual”, como alguns analistas pensavam. A juventude volta as ruas como uma espécie de cálculo geracional: nada de novo e tudo de jovem.
A juventude volta as ruas como uma espécie de cálculo geracional: nada de novo e tudo de jovem.

Por fim, vale um alerta e uma observação, porém sem ver desânimo e sim aposta no futuro:

1. O alerta: a direita e o seu poder midiático quer reverter os movimentos sociais e suas justas lutas a favor do seu não-projeto  de nação ou de retorno aprofundado a  ditadura neoliberal (algo pertinente aos anos 1990), temos que detê-los!

2. A observação: o esgotamento do reformismo centrado nas políticas compensatórias exige a reivindicação, por parte da sociedade civil, de uma nova agenda programática, que aprofunde as reformas sociais, que coloque a reforma urbana em discussão e efetivação e aprofunde a ruptura com o neoliberalismo.


Construir uma agenda democrática radical, contra a agenda neoliberal e pútrida da direita tucana e de similares!

terça-feira, 21 de maio de 2013

IV Colóquio Celso Furtado sobre Cultura e Desenvolvimento

O Ministério da Cultura com apoio do Centro Celso Furtado promove o IV Colóquio Celso Furtado sobre Cultura e Desenvolvimento, iniciativa de debates e tomada de posição no "front" cultural e sua interação com o desenvolvimento e o projeto de nação presente nas obras de Furtado e que se exigem serem retomadas.



domingo, 19 de maio de 2013

1980’s: Juventude, Sonhos e Muita Estrada


Por Zé Lins

No último sábado (18/05) estive no cinema, fui com a minha moçada: minha pequena e meus dois moleques (um guri de 13 e uma guria de 15). O filme em tela grande a ser assistido foi “Somos tão jovens”, um libelo em homenagem aos anos oitenta e a juventude criativa e transformadora que se expunha após àqueles longos anos das amarras da ditadura.

O fundo do relato das bandas de rock nacional e da ação individual do jovem Renato Russo, somente evidencia  o choque das forças conservadoras  com o arraso impossível  dos gritos sufocados naqueles anos de ruas retomadas. Quem viveu, ou quem dispõe da memória dessa história recente do Brasil, deve se virar em paixões remoídas ao se recordar dos primeiros passos e da mistura incontida de músicas, passeatas e vinhos de segunda.


A longa década de 1980[1] já vai longe, sendo que seus dias indistintos parecem muito pouco rememorados, ou talvez a dificuldade de interagir com era tão próxima nos dificulte tomada de juízo ou análise menos apaixonada, mas uma primeira aproximação, talvez pela prosa e pelas artes seja um bom começo.

A longa década de 1980 brasileira se iniciou na atormentada e autoritária década de 1970, mas precisamente o ano de 1978 marcava de forma indelével os espasmos críticos daquele “aborto social[2]” produzido nos vinte anos anteriores, fruto da nova organização de trabalhadores irrompeu, no ABC Paulista, a primeira grande greve operária, ainda pouco sapiente da necessidade de ruptura com o capital e sua rancorosa expressão institucional nativa.

Os anos seguintes foram num crescente: o tecido social brasileiro se desfazendo e se refazendo; “legiões urbanas”[3] invadindo sinais e supermercados. Os novos ou recriados, movimentos sociais germinando e se expandindo rapidamente. Foram anos de muitas assembleias, debates acirrados e dias curtos. A reconstrução da UNE (União Nacional dos Estudantes), UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) e o lançamento da primeira central de trabalhadores independente (Central Única dos Trabalhadores - CUT).   Tudo isso regado a muito rock roll, vinho de segunda e canções de ruas.
Os anos seguintes foram numa crescente, o tecido social brasileiro se desfazendo e se refazendo, “legiões urbanas” invadindo sinais e supermercados.
Esta breve crônica do belo filme de Antônio Fontoura não poderia encerrar sem a menção do desencantamento que nos parece necessário para a redescoberta de novas décadas criticas e cheias de ternura, porque, como todos sabemos “tudo mais é sentimento ou fingimento levado pelo pé” [4].
   



[1] O termo é aqui roubado de Giovani Arrighi (O longo século XX. Contraponto, 1996), que visualizou, em oposição a Eric Hobsbawm (Era dos Extremos: o breve século XX. Companhia das Letras, 2012 ) que as décadas finais do Século XX tinham uma espécie de assombração temporal, temiam em não se desfazer ou se acabar.
[2] Referência a primeira banda organizada por Renato Russo: “Aborto Elétrico”.
[3] Referência a segunda banda organizada por Renato Russo: “Legião Urbana”.
[4] Carlos Drummond (Arte Poética. In: A Paixão Medida. Record, 1993).

sábado, 23 de março de 2013

Poesia nas Paredes

Sim, há o que acalentar!
Por Zé Lins


Que amplas paredes vazias
a serem habitadas,
por dizeres, quereres e qualquer palavra jogada.


Que palavras que queres?
De paixão ressentida,
 talvez de melancolia incontida!
Ou de alegria sofrida?


Quantas palavras me pedes a decifrar ou escrever?
Todas àquelas afáveis,
algumas até amáveis,
ou outras de má fé?!


Como escrever nas paredes vazias desses olhos perdidos,
de obliqua cor,
 de tortas linhas,
 de veredas tão finas.


As palavras que são ditas são as mais risíveis.
Palavras que magoam são as mais pensadas.
Palavras que povoam o ar são indefiníveis.


Que amplas paredes queres habitar?
Com palavras ferinas,
de frases indigestas,
de desertos afins.


                    São tuas paredes retratos vazios,
como gotas a latejar , sobre um sobranceiro mar!
Ou palavras que queres gritar,
ofender, talvez até machucar,
essas coisas insensatas que tens a mão armar.

Que amplas paredes tens a recitar:
com versos de mar ou canções de Aldir  cantadas por Elis.

domingo, 17 de março de 2013

Debate Fiscal, Esgarçamento Federativo e Antecipação Eleitoral (I)


Por José Trindade

Fonte: http://www.brasilescola.com/brasil/regioes-brasileiras.htm
O debate federativo brasileiro desde muito demonstra uma forte dose de esclerose. Nos últimos anos um conjunto de novos impasses gerados pela disputa de receitas entre as unidades federativas e a União, assim como entre as próprias unidades federativas, desencadeou um profundo mal-estar nacional. Vale observar que esse quadro é agravado pela disputa eleitoral e antecipação indevida das eleições presidenciais. O texto que segue, em duas partes, busca analisar os fatos desde uma percepção do desenvolvimento regional.
           



Nos últimos vinte anos pós-constituição de 1988 foram definidos de forma explicita três amplos campos de disputa fiscal federativa: i) a configuração mista do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), com uma alíquota interna, ou seja, percentual aplicável nas operações e prestações realizadas dentro do próprio Estado de origem da mercadoria e uma alíquota interestadual com percentual aplicável às operações e prestações entre contribuintes de diferentes Estados (a depender da procedência poderá ser de 12% ou 7%); ii) a ausência de mecanismos de equalização (condições e critérios de repartição) dos dois principais fundos de transferência constitucional de uso não vinculados: o FPE (Fundo de Participação dos Estados) e o FPM (Fundo de Participação dos Municípios); iii) do mesmo modo, a caducidade dos critérios de equalização de outras fontes de transferência, especialmente àquelas oriundas de fontes especiais: como os royalties do petróleo e de outros recursos minerais.
            
Em termos do ICMS, que é a principal fonte de receita própria dos Estados e que apresenta um sistema misto de recolhimento, ou seja, é em parte coletado na origem (maior parte) e parcela no destino, passou a ser utilizado como importante mecanismo de atração de empresas ou mesmo manutenção de antigos investimentos, via renúncia fiscal, acentuando as perdas de receitas por parte dos entes federados e aprofundando a fragilidade fiscal dos mesmos. Segundo estudos, da Secretária Executiva do Ministério da Fazenda (2010), as perdas totais nacionais com a renúncia fiscal montaria a aproximadamente 25 bilhões de reais nos últimos cinco anos.
            
Como se denota na tabela abaixo, quase três quartos (71%) do ICMS recolhido no país concentra-se nas regiões Sudeste e Sul, áreas mais dinâmicas da economia nacional e que em função das características desse tributo, aliado ao uso dos “gastos tributários” (incentivos fiscais), torna algumas regiões, notadamente o Norte e Nordeste, fortemente dependentes das receitas de transferências. A impraticabilidade de uma reforma tributária que alterasse as regras do ICMS parece ser a principal tônica do desequilíbrio fiscal federativo, isso até se colocar na ordem do dia dificuldades de ordenamento e interação federativa ainda mais grave.

Participação Regional: População e Principais Receitas Fiscais Federativas Nacionais - 2010 (%)

Regiões
População
ICMS
Cota-FPE
Cota-FPM
Cota-Royalties
Cota-CFEM
Norte
8,3
5,8
23,6
8,6
2,01
29,9
Nordeste
27,8
14,9
48,9
35,7
20,7
9,97
C Oeste
7,3
8,4
6,7
7,2
1,32
6,57
Sudeste
42,1
55,4
13,9
31,1
70,6
50,9
Sul
14,3
15,5
6,9
17,4
5,2
2,6
Fonte: STN (2012) e Ipeadata (2012). Elaboração própria.
          
Nos últimos meses o caldo federativo derramou de vez, agravando mais ainda as disputas e a dificuldade de relacionamento entre os entes subnacionais. Os critérios distributivos dos Fundos Constitucionais, especialmente o FPE, desde muito eram questionados pelos Estados sulistas que, como se vê na tabela acima  percebem a menor fatia do bolo. O atual sistema de distribuição do FPE, definido pela lei complementar 62/89, foi considerado inconstitucional pelo STF, inicialmente tendo validade apenas até 31 de dezembro de 2012, posteriormente prorrogado por 150 dias por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal). Há necessidade, portanto, de aprovação de nova lei complementar. O rateio em vigor prevê que 85% dos recursos do FPE são destinados aos Estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, daí o maior percentual relativo dessas regiões.
       
O projeto de lei do relator que trata das novas regras do FPE propõe que a partir de 2013 cada Estado terá direito a receber pelo menos um piso, correspondente ao valor destinado ao mesmo em 2012. O excedente que for arrecadado para o FPE seria rateado entre os Estados até o final de 2014, com base em dois critérios: proporcional a 50% da população e inversamente proporcional a 50% da renda domiciliar per capita, apurados, para os dois fatores, no ano imediatamente anterior. Segundo a relatoria do projeto, se um novo critério não fosse aprovado até 2018, a regra continuaria em vigor. Conforme a manifestação de inúmeras lideranças políticas dos estados sulistas, dificilmente se chegará a um consenso quanto as regras acertadas, o que coloca um período longo de crise federativa pela frente.
Conforme a manifestação de inúmeras lideranças políticas dos estados sulistas, dificilmente se chegará a um consenso quanto as regras acertadas, o que coloca um período longo de crise federativa pela frente.
Por último, o ocaso da distribuição dos royalties do petróleo desencadeou a enésima crise federativa. Pelas regras vigentes até 15 de março último, os estados produtores receberam 26,25% dos royalties do petróleo em 2012, e os municípios em igual situação outros 26,25%. Governos e prefeituras distantes das áreas de produção ficaram com 8,75% do bolo. Com a nova lei sancionada, fruto de grande pendenga no Congresso Nacional, estimulado pelos interesses de impor uma derrota a presidente que tinha vetado os artigos mais problemáticos da referida lei, a parte do bolo que será destinada aos governos e prefeituras distantes subirá para 40% até 2020, em valores o Fundo Especial destinado aos Estados e Municípios não produtores passaria dos atuais R$ 1,3 bilhão para algo em torno de R$ 8 bilhões. Essa nova frente de confronto abriu forte cisma com os estados do Sudeste que, como é possível visualizar na tabela, concentravam a maior parte daqueles recursos.
                
Na continuidade deste texto analisaremos os aspectos regionais e as condições de desenvolvimento necessárias a construção de um novo pacto federativo.