Espaço de debate, crônica crítica do cotidiano político paraense e de afirmação dos pressupostos de construção de um Pará e Brasil Democrático e Socialista!

Editor: José Trindade



domingo, 25 de setembro de 2011

Crônica Medievalista VI: A Primavera da Humanidade


Por Zé Lins

Eram 2061, sem demora os dias corriam ou transbordavam desvairados. Tudo ou quase tudo gritava, porém sem ouvidos ou novas ideias. O mundo era ou não o velho mundo, porém o que interessava eram os debates frenéticos no Congresso Nacional, onde, pela primeira vez, após diversas tentativa infrutíferas de conciliação das diversas regiões que compunham a República Unida do Brasil, cada uma, maior ou menor, se transformariam elas próprias em poderes nacionais autônomos.

Como toda essa coisa veio a ocorrer não é possível descrever em poucas linhas, só se sabe que corria a indagação principal: como o Império estava se desfazendo? E ao se desfazer, o que restará?

O Brasil se tornara, de forma totalmente imprevisível para qualquer transeunte em qualquer esquina do planeta, a principal potência imperial capitalista a partir de meados da década de 40.

As crises capitalistas se tornaram mais fortes e recorrentes desde meados dos anos 20. Uma das consequências diretas foi tornar os EUA e a Europa Ocidental poderes econômicos e militares equivalentes e, aos poucos, menores frente às novas ou não tão novas potências euroasiáticas. O Império Chinês estava completamente constituído na segunda década desse século derradeiro da forma humana. Em 2038, as relações econômicas, bélicas e naturais marcaram um ponto de encontro, sem suavidade, porém com hora definida.

Europa e EUA firmaram pacto bélico, distinto da OTAN e claramente ofensivo aos novos interesses beligerantes Chinês e Russo. A Rússia e a Ásia menor pareciam agora definitivamente partes do poder capitalista imperial Chinês. Essa previsível engenharia geopolítica, previsível, diga-se de passagem, desde a década de 20 do século XXI, tinha unicamente pontos de exceção na América do Sul, especificamente o Brasil e a área de influencia em torno do MERCOSUL.

A República da Índia constituíra com a China, Rússia e Paquistão um único bloco, talvez o mais expressivo poder que tenha surgido nos últimos cem anos da atribulada história humana. A Europa e o decadente Tio Sam, após nova guerra de secessão, se uniram e estabeleceram um arco de forças baseado no velho imaginário de um mundo passado. O “American Way of Life” já há muito tinha entrado para os anais dos registros históricos sucumbido sobre si mesmo.

Vida e morte, poder e capital, se encontraram nas vias de fato nos anos seguintes e tal como nos meados do século XX, os medianos do século XXI ameaçavam tudo e todos, somente que agora as forças em disputa destruiriam o pobre do planeta Terra milhões de vezes e, provavelmente, as naves espaciais expandiriam a disputa para além do sistema solar.

O planeta parece que tinha pressentido que seus animais mais dotados entrariam em mais uma e talvez derradeira disputa total. As sirenes ecoaram de leste a oeste, os epicentros dos terremotos múltiplos apontavam para diversos centros das recalcitrantes forças em disputa; ao mesmo tempo ogivas de menor poder de destruição eram detonadas como avisos do estopim derradeiro. Pequim foi literalmente arrasada, por terremotos e detonações nucleares. Nova Yorque caia quebrantada por tsunamis e ogivas que destruíram Manhatam, produzindo cenário de devastação em toda ilha. A rebeldia da natureza agravou as consequências das pueris ações humanas. Xangai, Moscou, Los Angeles, Paris e Londres foram parcialmente destruídas.

O Brasil e sua área de influência estabeleceram uma área de exclusão de disputa no Cone Sul. A região se tornou porto seguro para capital e mentes. Os fluxos de capital rapidamente debandavam das principais frentes de guerra, ao mesmo tempo Brasil, Argentina e Uruguai recepcionavam parcelas da elite mundial, fugida de suas próprias contendas e como ratos destemidos que escapam ao naufrágio, essa escória aportava nas terras brasílis.

Na medida em que a crise capitalista evoluía para uma crise de existência da própria humanidade, embaixadores brasileiros tentavam construir pontes de conversação e dirigir o alto comissariado de uma ONU despedaçada. Os anos que se seguiram aos trágicos eventos da década de 30 foram espantosos. A humanidade ferida elevou seu ego às alturas e como cegos desesperados buscavam alguma luz. Durante quinze anos dos escombros das até então principais cidades do planeta exalavam podridão. A desorganização dos Estados de diversos países e a radiação nuclear dificultava a reconstrução e a recuperação foi muito mais lenta que um século antes. A humanidade tinha sido reduzida em um terço, retornávamos ao mesmo quantitativo humano da década de 10, de qualquer forma restavam 9 bilhões de humanos para dar continuidade a sua sina histórica, fosse o imaginário de Douglas Adams, fosse o imaginário de Adoux Haley.

O Brasil tinha saído extremamente fortalecido do conflito, tal como cem anos antes a guerra paria uma nova potência imperial capitalista. Durante quinze anos do pós-guerra e cataclismos o Brasil se tornara a fábrica do Mundo, ao mesmo tempo a flexibilidade cultural brasileira possibilitou os primeiros debates internacionais sobre a construção de um novo padrão de desenvolvimento econômico. Mesmo com a resistência dos Comodoros do capitalismo, cresciam as experiências de comutalismo em diversos países.

Foi nesse quadro mundial confuso que as disputas federativas se intensificaram, transformada, aos poucos, em beligerância entre regiões. O que tornava o quadro diferenciado é que em tão pouco tempo o Brasil ia do céu ao inferno, não que fosse inusitado na história desse país o conflito aberto e as divergências provinciais, principalmente em função das marcantes desigualdades e imposição de interesses do Brasil branco sulista, porém o rápido declínio de uma nova potência imperial parece que demarcava os estertores do próprio capitalismo.

Era um setembro chuvoso na maior parte do Mundo, a decisão no Brasil atraia a atenção do universo humano, e o esfacelamento da mais rápida experiência imperial capitalista parece que marcava em definitivo a primavera da humanidade.  

Educação e Desenvolvimento: Implantação do PCCR e Cumprimento do Piso Nacional


No início do ano o governo estadual estabeleceu decreto que definia desde então a impossibilidade de qualquer reajuste salarial que garantisse ganho real ao funcionalismo público. No DL 05 era estabelecido desde sempre a racionalidade tucana de que funcionário público, dada sua condição de trabalho improdutivo, se impunha a desatenção e o necessário arrocho salarial. DITO E MAL FEITO.

Após oito meses, muito desencontro e ausência de governo, a não política educacional se impôs em dois aspectos importantes: a negação do plano de carreiras e do piso nacional do magistério. A não politica educacional passou a se valer de muitas meias verdades, para utilizar eufemismo referente a ludibriar ou levar no bico uma categoria que historicamente é muito combativa, condição, inclusive, necessária ao exercício de função profissional tão importante.

Os educadores paraenses compreendem a obrigatória interação entre educação e desenvolvimento e sabem, melhor que qualquer um que a disputa pelo desenvolvimento e democracia é desde sempre uma disputa pela melhoria da educação pública.

A mais recente greve dos profissionais de educação converge em três componentes sociais centrais:

i) Delimita a imperativa importância do cumprimento das regras estabelecidas. De um modo geral aquilo que se define legalmente favorável aos interesses de capitalistas, banqueiros e poderosos em geral, não há questionamento, ato contínuo: “publique-se e cumpra-se”. Infelizmente essa regra de ouro não se aplica aos trabalhadores em geral, especialmente, como entendem Jatene e companhia, aos trabalhadores em educação.

ii) Mais do que nunca há de se compreender a educação enquanto componente central de desenvolvimento. Desenvolvimento, tal como entendemos, compreende diferentes dimensões, sendo o crescimento econômico somente uma delas. A educação constitui dimensão central e o projeto de desenvolvimento que supere a pobreza e a exclusão social requer obrigatoriamente educação pública de qualidade e compromissada com esse projeto de sociedade.

iii) O cumprimento do PCCR e do piso nacional são condições fundamentais para se avançar nesse projeto de desenvolvimento de médio e longo prazo, e a luta dos trabalhadores em educação paraenses pelo cumprimento dos mesmos tem nosso apoio e solidariedade.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

A primavera dos direitos humanos



Por Emir Sader

Com a apresentação do projeto da Comissão da Verdade no próximo dia 21 começa a primavera dos direitos humanos no Brasil.

O golpe de 1964 interrompeu brutalmente o desenvolvimento democrático do país e a ditadura militar que foi instaurada se apropriou violentamente do Estado brasileiro e impôs à sociedade um regime de terror durante mais de duas décadas. Foi o momento mais terrível da história do Brasil desde o término da escravidão.

Foram perpetrados os crimes mais brutais, valendo-se do aparato de Estado contra a democracia, contra o povo, contra sua cultura, contra toda forma de liberdade conquistada ao longo do tempo. A ditadura militar foi um regime que modificou profundamente a história do Brasil, destruindo tudo o que havia de democrático no país, realizando uma política econômica de concentração de renda, de exclusão social e de desnacionalização da economia. Foi o pior regime que o Brasil já conheceu, o que mais violou os direitos humanos no país.

Na sua fase final, a ditadura decretou uma anistia que a favorecia, amalgamando vencidos e vencedores, verdugos e vítimas, apagando da história do país todas as violações que a ditadura havia cometido. Com isso, além da impunidade dos agentes do terror da ditadura, impediu que se apurasse tudo o que foi feito, buscando apagar aquele período da memória dos brasileiros.

A ditadura militar se esgotou, mas conseguiu controlar a transição, com a eleição do primeiro presidente civil pelo Colégio Eleitoral e com a manutenção da anistia imposta pelo velho regime e não decidida democraticamente pela cidadania.

Nesta semana, a secretária dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, entregará ao presidente da Câmara dos Deputados o projeto da Comissão da Verdade. O Congresso vota no dia 21, dia do começo da primavera, o projeto que permitirá à sociedade brasileira apurar a verdade, sobretudo o que aconteceu naquele momento de domínio da ditadura sobre a democracia, do terror sobre a liberdade, da força sobre a razão.

Esse é o espaço que a sociedade brasileira consegue para passar a limpo e, só depois de ter satisfeito seu justo direito ao conhecimento de tudo o que ocorreu, virar essa triste página da nossa história. Todos os que estão comprometidos com essa busca, - goste-se ou nao da forma particular que é possível hoje a busca da verdade -, tem que mobilizar toda sua energia, para que triunfe, finalmente, a verdade e vivamos, finalmente, a primavera dos direitos humanos no Brasil.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Café Econômico com Claudio Puty

O Programa de Pós-graduação em Economia (PPGE) realiza desde o do início de 2011 o interessante ciclo de seminários "Café Econômico", nesta sexta-feira às 18hs teremos a presença do Professor do PPGE e atual Deputado Federal Claudio Puty debatendo o atual momento de crise da sociedade capitalista global e o seu desenvolvimento futuro.


Desoneração Tributária e Desigualdade na Repartição do ICMS do Estado do Pará



Por Jó Sales


Foi publicado no site do Ministério da Fazenda, Secretaria do Tesouro Nacional STN a íntegra do trabalho “Transferências Intergovernamentais: a desigualdade na repartição da cota-parte do ICMS no Pará- 1998 a 2008”, que recebeu Prêmio de Finanças Públicas de 2010, de minha autoria, com orientação do Prof. Dr. José Raimundo Trindade, editor deste blog.

O objetivo da pesquisa foi elucidar problemas que afetam diretamente as receitas municipais e conseqüentemente a natureza e o padrão dos serviços que são ofertados pelas municipalidades paraenses. A conclusão do trabalho indica que o modelo atual de repartição fiscal das cotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é injusto, concentrado, desigual e fere os seguintes dispositivos da Constituição da Republica Federativa do Brasil (CF, 1988):

Inciso IV do Artigo 158.

“Art. 158. Pertencem aos Municípios:
IV - vinte e cinco por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação”.

Inciso I do Parágrafo 1 do Artigo 158.

“Art. 158. Pertencem aos Municípios:
Parágrafo único. As parcelas de receita pertencentes aos Municípios, mencionadas no inciso IV, serão creditadas conforme os seguintes critérios:
I - três quartos, no mínimo, na proporção do valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, realizadas em seus territórios”.

O Inciso I grifado é a essência do princípio devolutivo e da delimitação da proporção de ICMS que deve ser retornado para cada ente federado. Esses dispositivos estão sendo atacados na medida em que os montantes de recursos gerados a título de Valor Adicionado Fiscal (VAF) em cada município não está retornando na proporção devida, isso em função dos produtos semielaborados serem completamente desonerados da tributação do ICMS pela Lei Kandir, mesmo que, por outro lado, comporem a base de cálculo da repartição da cota-parte do ICMS, o que acaba por beneficiar os municípios de base mineral em detrimento dos demais.

Os volumes de arrecadação de ICMS produzidos pelos municípios de médio e grande porte no Estado do Pará estão sendo transferidos, mediante este mecanismo, aos municípios mineradores que possuem um volume muito elevado de produção desonerada para exportação, não geram, por outro lado, arrecadação de ICMS decorrente da produção mineral e se beneficiam de volumes cada vez mais elevados das cotas de ICMS geradas em outros municípios.

Este é um problema que também está ocorrendo em outros estados da federação brasileira, ainda que em escala diferente, denotando a necessidade de alteração da legislação federal e estadual visando distribuição mais equitativa, justa e em cumprimento dos dispositivos constitucionais.

Os municípios que mais perderam receitas em 2008, foram: Belém (193 milhões), Ananindeua (41 milhões), Benevides (14 milhões) e Santarém (12 milhões).

Boa leitura !

domingo, 11 de setembro de 2011

Minhas Lembranças do 11 de Setembro


O império estadunidense copiosamente chora as vítimas do 11/09 de 2001, conferindo a sua dor o peso do poder imperial terráqueo, assim como mostram os números macabros divulgados no sítio http://www.unknownnews.org/casualties.html, donde se registra que para cada um dos 2.900 vítimas do ataque, mais de 900 mil pessoas já teriam perdido suas vidas até hoje. Emir Sader nos fala de outra ação do poder imperial estadunidense: o golpe militar no Chile socialista de 1973, reproduzimos na integra seu texto.


Por Emir Sader

Não era a primeira vez que eu despertava com o ruídos dos aviões sobrevoando a região. Dois meses e meio antes, no final de junho, tinha vivido essa circunstância angustiante. Tinha descido correndo até o Palácio da Moeda, que ficava a duas quadras do prédio de apartamento central onde eu morava.

A imagem era a que voltaria a presenciar poucas semanas depois: tropas cercando o palácio presidencial. Setores das FFAA mais radicalizados forçavam o resto das instituições militares a acelerar o golpe em preparação. Mas as condições não estavam dadas, a tal ponto que o Comandante-em-chefe das FFAA ainda era leal a Allende – Carlos Prats, que percorreu todos os quarteis rebelados e, com argumentos e força moral, conseguiu a rendição dos golpistas.

Nessa noite, com a Praca da Constituição, em frente ao Palácio da Moneda, mais lotada do que nunca, Allende optou por consagrar as autoridades militares vigentes, não apenas, com justiça, a Prats, mas aos comandantes das outras armas, suspeitos de estar nas articulações golpistas. Estes seguiram seus planos, conseguiram tirar Prats e substituí-lo por Pinochet que passou, agora de dentro do governo mesmo, a articular o golpe.

No dia 4 de setembro, aniversário da vitória eleitoral de Allende, três anos antes, a maior multidão que o Chile tinha conhecido saiu às ruas para expressar seu apoio ao governo. Mas nada brecou as articulações golpistas. Quando Allende se preparava, dia 11 à noite, para fazer um pronunciamento ao país em rede de radio e televisão, os militares golpistas, alertados por Pinochet, anteciparam o golpe, aproveitando-se também das manobras militares de um porta-aviões norteamericano, no porto de Valparaíso.

Assim, poucas semanas depois, voltei a ser acordado pelo zumbido dos aviões sobrevoando. Desta vez não havia dúvidas que era uma nova tentativa de golpe, desta vez a definitiva. Desci da mesma maneira e fui à Praça da Constituição. Desta vez o Palácio da Moeda estava cercado por um contingente claramente maior de tropas.

Santiago já estava sendo ocupada, Valparaíso era a sede do movimento golpista, que tomava as rádios e TVs e Pinochet anunciava o ultimato a Allende, com prazo do meio dia, hora em que o Palácio da Moeda seria bombardeado. Paralelamente mandaram a Allende a proposta de que ele abandonasse o Palácio, com seus parentes, para ser enviado por helicóptero ao exterior. Ressoou por toda a Cordilheira o palavrão com que Allende rechaçou a oferta dos golpistas.

Allende se dirigiu pela última vez ao povo na rádio da central sindical, seu famoso discurso em que nanuncia que “mais cedo do que se imagina as grandes alamedas da democracia se reabrirão no Chile”. E seguiu resistindo, a partir da janelinha mais alta do Palácio, de onde se dirigia ao povo, com o capacete que os mineiros tinham dado a ele a o fuzil soviético AK-47 que Fidel tinha lhe presentado. Allende, um pacifista por excelência, empunhava armas para defender a democracia e o mandato que o povo lhe havia concedido.

O prazo foi adiado um pouco, mas finalmente os caças bombardeiros ingleses despejaram todo seu poder de fogo sobre o palácio presidencial, símbolo da extraordinária continuidade democrática chilena, só rompida, até ali, em dois breves momentos, desde 1830. A imagem que se reproduz sempre é significativa do que se vivia naquele momento: um presidente legitimamente eleito pelo povo chileno, cercado pelos militares golpistas, bombardeado, como resultado de um complô que tinha se iniciado assim que Allende ganhou as eleições, antes mesmo que tomasse posse.

Em reunião no Salão Oval da Casa Branca, Agustin Edwards, proprietário do jornal El Mercurio, se reuniu com Nixon e com Kissinger, começando a planejar o golpe. Kissinger afirmou que era preciso “salvar o povo chileno das suas loucuras”. Essa articulação desembocou no golpe, na destruição da ditadura chilena e na instauração do regime mais feroz que o Chile conheceu.

Allende preferiu o suicídio a abandonar o Palácio vivo. Neruda morre poucos dias depois de 11 de setembro. Victor Jara teve seus pulsos amputados e morreu no então Estadio Chile, rebatizado no fim da ditadura como Estadio Victor Jara. Milhares de pessoas foram presas, torturadas, assassinadas, desaparecidas, exiladas. A democracia chilena foi destruída, com ela o Parlamento, a Justica, os sindicatos, os partidos políticos, a imprensa democrática.

Tudo começou naquele 11 de setembro. Fui detido, junto com outros brasileiros, numa delegacia de polícia, assim que o toque de recolher foi suspenso e pudemos sair à rua. O Estádio Chile estava superlotado, não sabiam o que fazer com tanta gente esperando nas delegacias. Antes que voltasse o toque de recolher, liberaram uma parte dos presos, com o que pudemos ser liberados. Há 38 anos. O Chile começava a viver apenas o início do inferno de terror da ditadura pinochetista.

sábado, 10 de setembro de 2011

Algumas Considerações sobre Desenvolvimento, Relações Federativas e o Pará

Por José Raimundo Trindade

Conforme avança o calendário do ano de 2011, cada vez mais se reforça na dividida sociedade paraense uma dupla inquietação: de um lado o vazio governamental, com sua completa ausência enquanto força diretiva que coordene o debate da continuidade ou não da atual configuração geopolítica estadual e, segundo, a inexistência do debate por  atores locais (governo, empresários, sociedade civil em geral) do modelo de desenvolvimento necessário a ruptura do subdesenvolvimento paraense, isso num momento de grande turbulência internacional, com óbvias repercussões nacionais.



Talvez um aspecto tenha a ver com outro, é possível mesmo que em ambos já se tenha sido imposta uma visceral derrota a sociedade paraense como um todo, valendo agora somente contabilizar e anotar prejuízos e divagações futuras.

Este texto problematiza essas duas questões e suas interações, ou seja, partimos de uma percepção central: qualquer sociedade ou arranjo geopolítico somente se estrutura e faz sentido quando ele dispõe, ou melhor, suas elites assim se propõem, a um projeto de desenvolvimento (ou seja, de poder) e interlocução com outros grupos ou elites regionais, nacionais ou externas, caso contrário, os arranjos de poder micros ou locais se impõem de forma definitiva, o que nos parece que é o atual estágio do debate federativo paraense.

Vale observar que arranjos federativos, como o brasileiro têm como base o poder de barganha nas relações com o executivo federal e integrado a esse aspecto a maior influencia possível sobre as principais esferas congressuais (senado e câmara dos deputados).

Assim me parece que nós temos problemas nos dois campos de interação federativa acima identificada. De um lado, os grupos dirigentes, independente da cor partidária, têm grande dificuldade de interlocução com o eixo de poder central do país, e não parece que haja grandes alterações em curso. O que não é algo de agora, vale notar que as elites Manauras conseguiram se integrar plenamente ao principal corpo de poder econômico nacional, tornando-se, por assim dizer, um biombo da elite paulista, entretanto, inegavelmente, mais exitosas em seu projeto global que as classes dominantes Parauaras.

Por outro, historicamente, as bancadas federais do Pará são fracas, de baixa capacidade interpretativa e nenhuma analítica, o que leva a um nível de representação e ação congressual pífio, mesmo que as exceções sempre se disponham a confirmar a regra. Claro está que não é com divisão geopolítica que se equaciona esses problemas, entretanto, ao longo da história, casos de “choques exógenos” muitas vezes contribuem na alteração de certos perfis inerciais, isso para buscarmos um termo tão caro aos economistas neoclássicos.

As confusões parecem brotar aos borbotões nesses últimos meses. Recentemente tive a oportunidade de ler alguns absurdos, interpretações confusas que analisam a questão da divisão do Pará como se fosse uma quebra de pacto federativo, outras, ainda pior, que interpretam as relações entre entes subnacionais como se fossem disputas entre novas nações.

Convêm fazer algumas observações sem retirar maiores conseqüências:

i)          As federações necessariamente evoluem ao longo tempo, sofrendo alterações diversas, desde aspectos constitucionais, criação de novas unidades federativas e adequações econômicas e sócio-culturais. É assim, por exemplo, que a unidade brasileira baseado no poder central no qual "a União antecedeu suas partes" (Duchacek, 1970:241), vem se alterando ao longo dos últimos cem anos.

O próprio Pará, por exemplo, já sofreu diversas alterações, sendo que a última levou a instituição do Território Federal do Amapá, atual estado do mesmo nome. Não consideramos, portanto, que qualquer processo de divisão territorial envolva qualquer “ruptura federativa” e sim modificação plenamente aceitável.

ii)        Não poucos articulistas, tem se baseado em texto do Ipea (Rogério Boueri, 2008), para estabelecer uma “pretensa” negativa em torno do custo de organização de novos estados. Segundo o referido estudo o “custo fixo para a manutenção de um novo estado na Federação Brasileira foi estimado em R$ 832 milhões por ano”.

Ora, não nos compete discutir os referidos valores e sim perguntar: “quem irá financiar tais valores?” Vale observar que ao longo das décadas a República Federativa do Brasil não tem tido e pouco tem se disposto a discutir um projeto para a Amazônia, sendo que em geral os gastos tributários (incentivos fiscais) são direcionados ao eixo sul/sudeste e mais recentemente ao eixo nordeste/centro-oeste, as motivações são variadas, o que custaria outro artigo, entretanto, em geral a oferta de recursos “federativos” destinados a Amazônia tem sido comparativamente menor.

Não há porque nos basearmos no falso discurso de que “iremos gastar para instalar novos governos” ao invés de “gastamos em mais saúde e educação...”, ora simplesmente esses valores não existem e nem existirão se não houver um fator “externo” e “imperativo” que obrigue a União a destinar mais recursos ao espaço amazônico ou paraense. Por outro, parece estranho achar que emprego gerado por governo seja menos digno que outro emprego e isso longe de qualquer keynesianismo.

Para bom entendedor meia palavra basta, quem irá gastar com a estruturação de novas unidades administrativas e etc., será a União, ou seja, muito justo que o Brasil pague um pouco da eterna conta de expropriação amazônica e paraense, vale lembrar o ciclo gomífero e o atual ciclo mineral.

iii)        Belém e redondeza definitivamente não perdem ao fim e ao cabo de todo imbróglio. Dados bem conhecidos revelam que os volumes de arrecadação de ICMS produzidos pelos municípios de médio e grande porte no Estado do Pará estão sendo transferidos indevidamente aos municípios mineradores, que possuem um volume muito elevado de produção desonerada para exportação, não geram arrecadação de ICMS decorrente da produção mineral e se beneficiam de volumes cada vez mais elevados das cotas de ICMS geradas em outros municípios.
Este é um problema que também está ocorrendo em outros estados da federação brasileira, ainda que em magnitude diferente, denotando a necessidade de alteração da legislação federal e estadual visando uma distribuição mais equitativa, justa e em cumprimento dos dispositivos constitucionais.

Segundo estudo premiado pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN), os municípios que mais perderam receitas em 2008, foram: Belém (193 milhões), Ananindeua (41 milhões), Benevides (14 milhões) e Santarém (12 milhões), ou seja, o regramento territorial baseado na produção mineral desonerada para exportação pela Lei Kandir não é o melhor arranjo econômico federativo no atual quadro, pelo contrário o debate sentimental da perda de Carajás deveria esclarecer a população de Belém e outras regiões que, muito pelo contrário, ela ganhará em termos tributários com a possível formação de um novo ente federativo.

iv)        Por último, considerando a longa dissertação já feita, convém observar que na disputa federativa, regiões como o Nordeste brasileiro somente adquiriram poder interventivo na federação em função do tamanho de suas bancadas, obviamente considerando que a possibilidade de melhorar a qualidade dos atores relaciona-se também ao aspecto quantitativo, uma velha condição dialética a “quantidade pode gerar a qualidade”.

Não considero, definitivamente, que o debate sobre a divisão do Pará devesse estar colocado, tínhamos e temos muitas outras questões mais fundamentais a serem discutidas publicamente. Infelizmente, como no início do texto expusemos, a fraqueza das elites locais levaram a questão até o atual limite. Compete a todo  Paraense se posicionar, e considero que qualquer decisão tomada deva se orientar pela racionalidade e análise das condições futuras de desenvolvimento com justiça, qualidade de vida e novos padrões sociais e econômicos para a Amazônia Paraense, de outro modo: “Todos somos Amazônicos”, antes de sermos Paraenses, velho ensino que os Cabanos há muito nos herdaram.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Estratégia para enfrentar a crise


Publicamos na integra o lúcido artigo do professor Khair, sabendo que o melhor combate é aquele feito com racionalidade, porém com ousadia. Como nas nossas últimas postagens tratamos da balança comercial brasileira e da necessidade imperiosa de uma política industrial mais ampla e audaz, do mesmo modo o conjunto de elementos colocados por Khair no artigo que segue se combina com os elementos levantados  em artigos pessoais do editor deste blog. Boa leitura!

Por Amir Khair (*)

Dia 29 último o governo federal anunciou sua estratégia para enfrentar a crise internacional. Elevou o esforço fiscal em R$ 10 bilhões passando o superávit primário (receitas menos despesas, exclusive juros) de R$ 81,8 bilhões para R$ 91,8 bilhões.

Esses R$ 10 bilhões constituem parte do excesso de arrecadação previsto anteriormente. A decisão do governo foi de usar essa parte do excesso para abater a dívida do governo federal e não usar para outras despesas. Não é o que os analistas ortodoxos querem. A ladainha deles é que haja redução das despesas do governo para reduzir a pressão da demanda, o que permitiria ao Banco Central (BC) reduzir as taxas de juros.

Sob o ponto de vista macroeconômico uma elevação da receita pública tem o mesmo efeito que uma redução do mesmo montante na despesa.
Ao elevar o superávit primário o governo comprou a tese do mercado financeiro de que a Selic só vai cair se houver melhor desempenho fiscal. É o contrário: a Selic caindo é o que dá maior contribuição para a redução das despesas públicas.

A estratégia fiscal do governo é, no entanto, de médio prazo, ou seja, até 2014. Quer que as despesas de custeio cresçam menos que o PIB, indexação das cadernetas de poupança a um percentual da Selic e reduzir a participação da dívida pública atrelada à Selic.

A sinalização do governo de aperto fiscal pode ser a estratégia do possível tentando contornar o enfrentamento dos interesses do mercado financeiro de manter a Selic elevada para aumentar os seus lucros em cima da dívida do governo federal. Não creio que isso funcione, ou seja, o mercado financeiro reagirá sempre à redução da Selic e a forma de fazer isso ficou demonstrada após essa última reunião do Copom.
É importante o governo ter e anunciar seu plano fiscal que cubra o prazo que vá até o final do mandato em 2014. Da mesma forma é importante que no plano constem compromissos de manter as despesas de custeio abaixo do crescimento do PIB para elevar os investimentos, mas isso é insuficiente. A estratégia governamental falha ao não incluir nesse plano o impacto das políticas monetária e cambial sobre as finanças públicas.

Influem com peso nos resultados fiscais a Selic da política monetária e as reservas internacionais na política cambial. A Selic completamente fora da realidade internacional e maior aberração macroeconômica do País, contamina as taxas de juros dos demais títulos do governo pré-fixados ou atrelados a índices de preço. Ao subir a Selic sobem as outras taxas de juros dos títulos públicos, pois o aplicador passa a exigir isso.

Impacto cambial

O impacto fiscal da política cambial se dá através do nível das reservas internacionais. O BC vem elevando essas reservas em dólares e as aplica em títulos do Tesouro americano que não rendem quase nada e paga ao mercado juros atrelados à Selic. Esse diferencial de taxas de juros vezes o nível das reservas deve atingir neste ano cerca de R$ 70 bilhões!

Não há a necessidade de manter tão elevada essas reservas. No auge da crise de 2008 estavam em US$ 204 bilhões e no final de julho atingiram US$ 347 bilhões, crescendo 70%! Outro problema é que as reservas elevadas servem de atração aos especuladores internacionais, pois representam maior garantia de solvência externa aos aplicadores.

Impacto monetário

O impacto fiscal da política monetária é dado através das despesas com juros. Nos últimos 16 anos representou 7,38% do PIB, quando a média internacional é de 1,8% do PIB. Isso ocorreu devido à Selic ser a taxa de juros mais alta do mundo durante mais de uma dezena de anos. Nos últimos doze meses terminados em julho atingiu R$ 224,8 bilhões, ou 5,73% do PIB. Como o governo pretende alcançar um superávit primário de 3,3% do PIB, irá ocorrer um déficit fiscal de 2,43% do PIB (5,73 menos 3,3).



Nesses primeiros sete meses do ano em comparação com o mesmo período do ano passado as despesas não financeiras do governo federal (funcionalismo, previdência social, área social, investimentos e demais despesas com a máquina pública) cresceram em termos nominais (sem corrigir a inflação), 11,0%, o mesmo para o funcionalismo e 10,8% para a previdência social e, pasmem 48,3% (!) para os juros, passando de R$ 71,3 bilhões para R$ 105,8 bilhões ou crescimento de R$ 34,5 bilhões (ver quadro acima).

Esse quadro apresenta para os primeiros sete meses de 2010 e 2011, a evolução da Receita Líquida (receita menos as transferências a estados e municípios), das despesas, juros, resultado primário e resultado fiscal (resultado primário menos os juros). A coluna “diferença” é o valor de 2011 menos o de 2010 e o percentual (%) é o quanto evoluiu no período. Assim, a Receita Líquida passou de R$ 389,9 bilhões em 2010 para R$ 471,3 bilhões em 2011 com crescimento de R$ 81,3 bilhões ou 20,9%. O Resultado Primário cresceu 161,3% e o déficit fiscal foi reduzida em 14,1% (última linha e coluna).

Se o BC não abaixar a Selic será mantida essa tendência e o acréscimo de juros poderá atingir neste ano R$ 60 bilhões! Todo o esforço de cortar R$ 50 bilhões do orçamento feito no início do ano, mais essa elevação de R$ 10 bilhões no superávit primário é anulada pelo BC e as despesas com juros do setor público poderão alcançar 6,3% do PIB.

Redução da Selic e reação

Como o BC, face à crise internacional, reduziu a Selic nessa última reunião do Copom em 0,5 ponto percentual, o mercado financeiro ficou frustrado e começou a por em xeque essa decisão, taxando-a de política e de obediência ao Planalto. Na verdade o que ele quer é que o governo continue obediente aos interesses financistas.

Apesar de o governo ter se comprometido com mais austeridade nas suas despesas, o mercado financeiro, com amplo espaço na mídia, puxou a faca contra o governo atingindo a presidente. Resta ver se ela vai enfrentar essa turma da bufunfa, que mama nas tetas do governo há décadas.

A melhor resposta é, ao invés de se defender, partir ao ataque, em medidas de alto impacto favorável ao País, elevando os depósitos compulsórios dos bancos no BC e a tributação sobre o lucro deles como um dos componentes para permitir recursos para regulamentar a Emenda Constitucional nº 29, que garante mais recursos para a área da saúde.

O outro “presente” é estabelecer limites às escorchantes taxas de juros cobradas nos seus empréstimos. Se der marcha a ré, o governo desiste do comando da economia, que é de sua exclusive responsabilidade. Portanto, vale mais ação do que palavras.

Essa decisão do BC de baixar a Selic pode estar relacionada a uma política econômica integrada sob a responsabilidade da presidente da República. Assim, o esforço fiscal do governo pode ser o compromisso assumido para o BC iniciar um processo de redução gradual da Selic até levá-la a um patamar mais baixo.
Caso siga o que fazem os bancos centrais dos países emergentes a Selic seria próxima do nível da inflação, ou seja, de 6%, neste ano.

A Selic, excluída a inflação prevista para os próximos doze meses, está em 6,3% ao ano, mais do dobro do segundo colocado (Hungria, com 2,8%). A taxa média de juros internacional envolvendo uma amostra representativa de 40 países está negativa em 0,8% ao ano.

Ainda é cedo para prever o que acontecerá no governo face à forte reação do mercado financeiro e, consequentemente, dos próximos passos na redução da Selic.

A crise trouxe a oportunidade de tomar medidas para a reativação da economia, que vem caindo pelo fato de ter preponderado o combate da inflação pela forma ineficaz e prejudicial da elevação da Selic. Ao que tudo indica o governo parece convencido que já passou da hora de estimular o mercado interno e, para isso, irá fazer o caminho inverso reduzindo a Selic e controlando o câmbio.

Uma coisa é certa e não existe meio termo: ou o governo derruba as taxas de juros ou elas irão continuar envenenando progressivamente o tecido econômico e social, mantendo o País atrelado ao atraso. É hora de enfrentamento.

sábado, 3 de setembro de 2011

Guia de Um mochileiro: Dicas aos Viajantes

Por Zé Lins

Recentemente tive a oportunidade de novamente estar em Porto Alegre, capital gaúcha, e com grande quantidade de locais interessantes para visitação e degustação dos olhos e espírito.

Nas viagens, não tão corriqueiras ou pelo menos com a intensidade que eu gostaria, faço um planejamento que inclui quase sempre seis pontos que julgo definitivos para conhecer minimamente a cidade visitada e, com alguma sorte, um pouco da cultura local:

i)                    A igreja matriz como visitação obrigatória. Obviamente não por qualquer religiosidade, pois professo o ateísmo desde meus primeiros desencantamentos com o mundo espiritual. A visita a igreja matriz deve-se a importância cultural que essa construção católica tem na estruturação de todas as formações citadinas no Brasil, muito parecido com as formas italianas e mexicanas, países aonde um vigário, um poeta e um alcaide comumente são a representação do poder e deslumbramento dessas sociedades. No centro da primeira praça, temos à direita a “alcadia” e à esquerda a “primazia”, igreja e prefeitura convivendo sóbria e pacificamente como se fossem feitas uma para outra, num encantamento histórico.

ii)                  Prefiro os botecos aos museus, nada contra os apóstolos da vasta cultura, mas convenhamos nada mais importante que a cultura viva, sendo que para além das bebericagens convém o choque de idéias que somente nas alamedas apertadas e nos barzinhos barulhentos pelo fru-fru-fru dos bate bocas é que as boas ideais parecem brotar, mesmo que depois sejam em recônditos aconchegos que elas se desenvolvam. As sociedades, definitivamente, parecem ser resultantes de “pileques” e crenças coletivas.


iii)                Caso você seja daqueles viajantes de primeira viagem leve a sério o recado que dou: o centro de qualquer lugar é o cemitério, não por qualquer tendência niilista desse que vos escreve, mas pelo poder atrativo que vida e morte exercem sobre nós todos. O cemitério público de uma cidade expressa boa parte da capacidade organizativa e institucional daquela sociedade. Quanto mais abandonado e menos interessante, mais conspícua e desestruturada essa comunidade.

iv)                Não há como um bom viajante deixar de conhecer o mercado central de qualquer cidade que pela primeira ou enésima vez esteja visitando. O pitoresco não está nas possíveis alfazemas ou nas cores locais, tampouco na comida e nos bodoques ofertados. Nos mercados centrais as “dondocas” se despem dos seus “balagandans” e todo mundo parece se vestir de originalidade.


v)                  Próximo ao fim dessa breve lista, não há como deixar de registrar a importância da Rodoviária local. Aeroporto, Shopping Center isso tudo é coisa de Mané!  A Rodoviária não: todo o universo local, estadual, regional passa por ali. Todos os espécimes e representações, como falam os antropólogos, do pensar local são visíveis ali. Na frente da Rodoviária há música, agitação política e sexo livre, além da violência sempre necessária.

vi)                Por último, porém sem ser, como fala o Edgar Augusto a “the last”, minhas prioridades turísticas se completam nos “sebos” das cidades. Antes que qualquer um que me leia fique assombrado, explico-me: “sebos” são concentrados e desorganizados depósitos de livros antigos: abandonados, semi-novos, derradeiros, não lidos ou malditos, todos jogados, escancarados de boca-aberta em prateleiras poeirentas quase se desfazendo. Minha receita de viajante é que todo bolo tem que ter sua cobertura, e as longas horas nesses “sebos” é a cobertura para um excelente bolo de viagem. Sempre meço o potencial de uma cidade pela quantidade e qualidade dos “sebos” que ela tem, quanto mais e melhores, mais e melhores são os dias da estadia naquele lugar.

Na última visita que fiz a Porto Alegre gastei bom tempo, com grande riqueza na visita de bons e muitos “sebos” daquela bela cidade, façam o mesmo!