Por Zé Lins
Recentemente tive a oportunidade de novamente estar em Porto Alegre, capital gaúcha, e com grande quantidade de locais interessantes para visitação e degustação dos olhos e espírito.
Nas viagens, não tão corriqueiras ou pelo menos com a intensidade que eu gostaria, faço um planejamento que inclui quase sempre seis pontos que julgo definitivos para conhecer minimamente a cidade visitada e, com alguma sorte, um pouco da cultura local:
i) A igreja matriz como visitação obrigatória. Obviamente não por qualquer religiosidade, pois professo o ateísmo desde meus primeiros desencantamentos com o mundo espiritual. A visita a igreja matriz deve-se a importância cultural que essa construção católica tem na estruturação de todas as formações citadinas no Brasil, muito parecido com as formas italianas e mexicanas, países aonde um vigário, um poeta e um alcaide comumente são a representação do poder e deslumbramento dessas sociedades. No centro da primeira praça, temos à direita a “alcadia” e à esquerda a “primazia”, igreja e prefeitura convivendo sóbria e pacificamente como se fossem feitas uma para outra, num encantamento histórico.
ii) Prefiro os botecos aos museus, nada contra os apóstolos da vasta cultura, mas convenhamos nada mais importante que a cultura viva, sendo que para além das bebericagens convém o choque de idéias que somente nas alamedas apertadas e nos barzinhos barulhentos pelo fru-fru-fru dos bate bocas é que as boas ideais parecem brotar, mesmo que depois sejam em recônditos aconchegos que elas se desenvolvam. As sociedades, definitivamente, parecem ser resultantes de “pileques” e crenças coletivas.
iii) Caso você seja daqueles viajantes de primeira viagem leve a sério o recado que dou: o centro de qualquer lugar é o cemitério, não por qualquer tendência niilista desse que vos escreve, mas pelo poder atrativo que vida e morte exercem sobre nós todos. O cemitério público de uma cidade expressa boa parte da capacidade organizativa e institucional daquela sociedade. Quanto mais abandonado e menos interessante, mais conspícua e desestruturada essa comunidade.
iv) Não há como um bom viajante deixar de conhecer o mercado central de qualquer cidade que pela primeira ou enésima vez esteja visitando. O pitoresco não está nas possíveis alfazemas ou nas cores locais, tampouco na comida e nos bodoques ofertados. Nos mercados centrais as “dondocas” se despem dos seus “balagandans” e todo mundo parece se vestir de originalidade.
v) Próximo ao fim dessa breve lista, não há como deixar de registrar a importância da Rodoviária local. Aeroporto, Shopping Center isso tudo é coisa de Mané! A Rodoviária não: todo o universo local, estadual, regional passa por ali. Todos os espécimes e representações, como falam os antropólogos, do pensar local são visíveis ali. Na frente da Rodoviária há música, agitação política e sexo livre, além da violência sempre necessária.
vi) Por último, porém sem ser, como fala o Edgar Augusto a “the last”, minhas prioridades turísticas se completam nos “sebos” das cidades. Antes que qualquer um que me leia fique assombrado, explico-me: “sebos” são concentrados e desorganizados depósitos de livros antigos: abandonados, semi-novos, derradeiros, não lidos ou malditos, todos jogados, escancarados de boca-aberta em prateleiras poeirentas quase se desfazendo. Minha receita de viajante é que todo bolo tem que ter sua cobertura, e as longas horas nesses “sebos” é a cobertura para um excelente bolo de viagem. Sempre meço o potencial de uma cidade pela quantidade e qualidade dos “sebos” que ela tem, quanto mais e melhores, mais e melhores são os dias da estadia naquele lugar.
Na última visita que fiz a Porto Alegre gastei bom tempo, com grande riqueza na visita de bons e muitos “sebos” daquela bela cidade, façam o mesmo!
Adorei o texto Wesley, confesso que nunca havia me atentado para a dica de conhecer o cemitério. De fato a reflexão é essencial para sabermos de que forma aquele 'lugar' está sendo organizado e governado. Então podemos falar em termômetro de uma gestão municipal?
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