Publicamos na integra o lúcido artigo do professor Khair, sabendo que o melhor combate é aquele feito com racionalidade, porém com ousadia. Como nas nossas últimas postagens tratamos da balança comercial brasileira e da necessidade imperiosa de uma política industrial mais ampla e audaz, do mesmo modo o conjunto de elementos colocados por Khair no artigo que segue se combina com os elementos levantados em artigos pessoais do editor deste blog. Boa leitura!
Por Amir Khair (*)
Dia 29 último o governo federal anunciou sua estratégia para
enfrentar a crise internacional. Elevou o esforço fiscal em R$ 10 bilhões
passando o superávit primário (receitas menos despesas, exclusive juros) de R$
81,8 bilhões para R$ 91,8 bilhões.
Esses R$ 10 bilhões constituem parte do excesso de
arrecadação previsto anteriormente. A decisão do governo foi de usar essa parte
do excesso para abater a dívida do governo federal e não usar para outras
despesas. Não é o que os analistas ortodoxos querem. A ladainha deles é que
haja redução das despesas do governo para reduzir a pressão da demanda, o que
permitiria ao Banco Central (BC) reduzir as taxas de juros.
Sob o ponto de vista macroeconômico uma elevação da receita
pública tem o mesmo efeito que uma redução do mesmo montante na despesa.
Ao elevar o superávit primário o governo comprou a tese do
mercado financeiro de que a Selic só vai cair se houver melhor desempenho
fiscal. É o contrário: a Selic caindo é o que dá maior contribuição para a
redução das despesas públicas.
A estratégia fiscal do governo é, no entanto, de médio
prazo, ou seja, até 2014. Quer que as despesas de custeio cresçam menos que o
PIB, indexação das cadernetas de poupança a um percentual da Selic e reduzir a
participação da dívida pública atrelada à Selic.
A sinalização do governo de aperto fiscal pode ser a
estratégia do possível tentando contornar o enfrentamento dos interesses do
mercado financeiro de manter a Selic elevada para aumentar os seus lucros em
cima da dívida do governo federal. Não creio que isso funcione, ou seja, o
mercado financeiro reagirá sempre à redução da Selic e a forma de fazer isso
ficou demonstrada após essa última reunião do Copom.
É importante o governo ter e anunciar seu plano fiscal que
cubra o prazo que vá até o final do mandato em 2014. Da mesma forma é
importante que no plano constem compromissos de manter as despesas de custeio
abaixo do crescimento do PIB para elevar os investimentos, mas isso é
insuficiente. A estratégia governamental falha ao não incluir nesse plano o
impacto das políticas monetária e cambial sobre as finanças públicas.
Influem com peso nos resultados fiscais a Selic da política
monetária e as reservas internacionais na política cambial. A Selic
completamente fora da realidade internacional e maior aberração macroeconômica
do País, contamina as taxas de juros dos demais títulos do governo pré-fixados
ou atrelados a índices de preço. Ao subir a Selic sobem as outras taxas de
juros dos títulos públicos, pois o aplicador passa a exigir isso.
Impacto cambial
O impacto fiscal da política cambial se dá através do nível
das reservas internacionais. O BC vem elevando essas reservas em dólares e as
aplica em títulos do Tesouro americano que não rendem quase nada e paga ao
mercado juros atrelados à Selic. Esse diferencial de taxas de juros vezes o
nível das reservas deve atingir neste ano cerca de R$ 70 bilhões!
Não há a necessidade de manter tão elevada essas reservas.
No auge da crise de 2008 estavam em US$ 204 bilhões e no final de julho
atingiram US$ 347 bilhões, crescendo 70%! Outro problema é que as reservas
elevadas servem de atração aos especuladores internacionais, pois representam
maior garantia de solvência externa aos aplicadores.
Impacto monetário
O impacto fiscal da política monetária é dado através das
despesas com juros. Nos últimos 16 anos representou 7,38% do PIB, quando a
média internacional é de 1,8% do PIB. Isso ocorreu devido à Selic ser a taxa de
juros mais alta do mundo durante mais de uma dezena de anos. Nos últimos doze
meses terminados em julho atingiu R$ 224,8 bilhões, ou 5,73% do PIB. Como o
governo pretende alcançar um superávit primário de 3,3% do PIB, irá ocorrer um
déficit fiscal de 2,43% do PIB (5,73 menos 3,3).
Nesses primeiros sete meses do ano em comparação com o mesmo
período do ano passado as despesas não financeiras do governo federal
(funcionalismo, previdência social, área social, investimentos e demais
despesas com a máquina pública) cresceram em termos nominais (sem corrigir a
inflação), 11,0%, o mesmo para o funcionalismo e 10,8% para a previdência
social e, pasmem 48,3% (!) para os juros, passando de R$ 71,3 bilhões para R$
105,8 bilhões ou crescimento de R$ 34,5 bilhões (ver quadro acima).
Esse quadro apresenta para os primeiros sete meses de 2010 e
2011, a evolução da Receita Líquida (receita menos as transferências a estados
e municípios), das despesas, juros, resultado primário e resultado fiscal
(resultado primário menos os juros). A coluna “diferença” é o valor de 2011
menos o de 2010 e o percentual (%) é o quanto evoluiu no período. Assim, a
Receita Líquida passou de R$ 389,9 bilhões em 2010 para R$ 471,3 bilhões em
2011 com crescimento de R$ 81,3 bilhões ou 20,9%. O Resultado Primário cresceu
161,3% e o déficit fiscal foi reduzida em 14,1% (última linha e coluna).
Se o BC não abaixar a Selic será mantida essa tendência e o
acréscimo de juros poderá atingir neste ano R$ 60 bilhões! Todo o esforço de
cortar R$ 50 bilhões do orçamento feito no início do ano, mais essa elevação de
R$ 10 bilhões no superávit primário é anulada pelo BC e as despesas com juros
do setor público poderão alcançar 6,3% do PIB.
Redução da Selic e reação
Como o BC, face à crise internacional, reduziu a Selic nessa
última reunião do Copom em 0,5 ponto percentual, o mercado financeiro ficou
frustrado e começou a por em xeque essa decisão, taxando-a de política e de
obediência ao Planalto. Na verdade o que ele quer é que o governo continue
obediente aos interesses financistas.
Apesar de o governo ter se comprometido com mais austeridade
nas suas despesas, o mercado financeiro, com amplo espaço na mídia, puxou a
faca contra o governo atingindo a presidente. Resta ver se ela vai enfrentar
essa turma da bufunfa, que mama nas tetas do governo há décadas.
A melhor resposta é, ao invés de se defender, partir ao
ataque, em medidas de alto impacto favorável ao País, elevando os depósitos
compulsórios dos bancos no BC e a tributação sobre o lucro deles como um dos
componentes para permitir recursos para regulamentar a Emenda Constitucional nº
29, que garante mais recursos para a área da saúde.
O outro “presente” é estabelecer limites às escorchantes
taxas de juros cobradas nos seus empréstimos. Se der marcha a ré, o governo
desiste do comando da economia, que é de sua exclusive responsabilidade.
Portanto, vale mais ação do que palavras.
Essa decisão do BC de baixar a Selic pode estar relacionada
a uma política econômica integrada sob a responsabilidade da presidente da
República. Assim, o esforço fiscal do governo pode ser o compromisso assumido
para o BC iniciar um processo de redução gradual da Selic até levá-la a um
patamar mais baixo.
Caso siga o que fazem os bancos centrais dos países
emergentes a Selic seria próxima do nível da inflação, ou seja, de 6%, neste
ano.
A Selic, excluída a inflação prevista para os próximos doze
meses, está em 6,3% ao ano, mais do dobro do segundo colocado (Hungria, com
2,8%). A taxa média de juros internacional envolvendo uma amostra
representativa de 40 países está negativa em 0,8% ao ano.
Ainda é cedo para prever o que acontecerá no governo face à
forte reação do mercado financeiro e, consequentemente, dos próximos passos na
redução da Selic.
A crise trouxe a oportunidade de tomar medidas para a
reativação da economia, que vem caindo pelo fato de ter preponderado o combate
da inflação pela forma ineficaz e prejudicial da elevação da Selic. Ao que tudo
indica o governo parece convencido que já passou da hora de estimular o mercado
interno e, para isso, irá fazer o caminho inverso reduzindo a Selic e
controlando o câmbio.
Uma coisa é certa e não existe meio termo: ou o
governo derruba as taxas de juros ou elas irão continuar envenenando
progressivamente o tecido econômico e social, mantendo o País atrelado ao
atraso. É hora de enfrentamento.
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