Por José Raimundo Trindade
Conforme avança o calendário do ano de 2011, cada vez mais se reforça na dividida sociedade paraense uma dupla inquietação: de um lado o vazio governamental, com sua completa ausência enquanto força diretiva que coordene o debate da continuidade ou não da atual configuração geopolítica estadual e, segundo, a inexistência do debate por atores locais (governo, empresários, sociedade civil em geral) do modelo de desenvolvimento necessário a ruptura do subdesenvolvimento paraense, isso num momento de grande turbulência internacional, com óbvias repercussões nacionais.
Talvez um aspecto tenha a ver com outro, é possível mesmo que em ambos já se tenha sido imposta uma visceral derrota a sociedade paraense como um todo, valendo agora somente contabilizar e anotar prejuízos e divagações futuras.
Este texto problematiza essas duas questões e suas interações, ou seja, partimos de uma percepção central: qualquer sociedade ou arranjo geopolítico somente se estrutura e faz sentido quando ele dispõe, ou melhor, suas elites assim se propõem, a um projeto de desenvolvimento (ou seja, de poder) e interlocução com outros grupos ou elites regionais, nacionais ou externas, caso contrário, os arranjos de poder micros ou locais se impõem de forma definitiva, o que nos parece que é o atual estágio do debate federativo paraense.
Vale observar que arranjos federativos, como o brasileiro têm como base o poder de barganha nas relações com o executivo federal e integrado a esse aspecto a maior influencia possível sobre as principais esferas congressuais (senado e câmara dos deputados).
Assim me parece que nós temos problemas nos dois campos de interação federativa acima identificada. De um lado, os grupos dirigentes, independente da cor partidária, têm grande dificuldade de interlocução com o eixo de poder central do país, e não parece que haja grandes alterações em curso. O que não é algo de agora, vale notar que as elites Manauras conseguiram se integrar plenamente ao principal corpo de poder econômico nacional, tornando-se, por assim dizer, um biombo da elite paulista, entretanto, inegavelmente, mais exitosas em seu projeto global que as classes dominantes Parauaras.
Por outro, historicamente, as bancadas federais do Pará são fracas, de baixa capacidade interpretativa e nenhuma analítica, o que leva a um nível de representação e ação congressual pífio, mesmo que as exceções sempre se disponham a confirmar a regra. Claro está que não é com divisão geopolítica que se equaciona esses problemas, entretanto, ao longo da história, casos de “choques exógenos” muitas vezes contribuem na alteração de certos perfis inerciais, isso para buscarmos um termo tão caro aos economistas neoclássicos.
As confusões parecem brotar aos borbotões nesses últimos meses. Recentemente tive a oportunidade de ler alguns absurdos, interpretações confusas que analisam a questão da divisão do Pará como se fosse uma quebra de pacto federativo, outras, ainda pior, que interpretam as relações entre entes subnacionais como se fossem disputas entre novas nações.
Convêm fazer algumas observações sem retirar maiores conseqüências:
i) As federações necessariamente evoluem ao longo tempo, sofrendo alterações diversas, desde aspectos constitucionais, criação de novas unidades federativas e adequações econômicas e sócio-culturais. É assim, por exemplo, que a unidade brasileira baseado no poder central no qual "a União antecedeu suas partes" (Duchacek, 1970:241), vem se alterando ao longo dos últimos cem anos.
O próprio Pará, por exemplo, já sofreu diversas alterações, sendo que a última levou a instituição do Território Federal do Amapá, atual estado do mesmo nome. Não consideramos, portanto, que qualquer processo de divisão territorial envolva qualquer “ruptura federativa” e sim modificação plenamente aceitável.
ii) Não poucos articulistas, tem se baseado em texto do Ipea (Rogério Boueri, 2008), para estabelecer uma “pretensa” negativa em torno do custo de organização de novos estados. Segundo o referido estudo o “custo fixo para a manutenção de um novo estado na Federação Brasileira foi estimado em R$ 832 milhões por ano”.
Ora, não nos compete discutir os referidos valores e sim perguntar: “quem irá financiar tais valores?” Vale observar que ao longo das décadas a República Federativa do Brasil não tem tido e pouco tem se disposto a discutir um projeto para a Amazônia, sendo que em geral os gastos tributários (incentivos fiscais) são direcionados ao eixo sul/sudeste e mais recentemente ao eixo nordeste/centro-oeste, as motivações são variadas, o que custaria outro artigo, entretanto, em geral a oferta de recursos “federativos” destinados a Amazônia tem sido comparativamente menor.
Não há porque nos basearmos no falso discurso de que “iremos gastar para instalar novos governos” ao invés de “gastamos em mais saúde e educação...”, ora simplesmente esses valores não existem e nem existirão se não houver um fator “externo” e “imperativo” que obrigue a União a destinar mais recursos ao espaço amazônico ou paraense. Por outro, parece estranho achar que emprego gerado por governo seja menos digno que outro emprego e isso longe de qualquer keynesianismo.
Para bom entendedor meia palavra basta, quem irá gastar com a estruturação de novas unidades administrativas e etc., será a União, ou seja, muito justo que o Brasil pague um pouco da eterna conta de expropriação amazônica e paraense, vale lembrar o ciclo gomífero e o atual ciclo mineral.
iii) Belém e redondeza definitivamente não perdem ao fim e ao cabo de todo imbróglio. Dados bem conhecidos revelam que os volumes de arrecadação de ICMS produzidos pelos municípios de médio e grande porte no Estado do Pará estão sendo transferidos indevidamente aos municípios mineradores, que possuem um volume muito elevado de produção desonerada para exportação, não geram arrecadação de ICMS decorrente da produção mineral e se beneficiam de volumes cada vez mais elevados das cotas de ICMS geradas em outros municípios.
Este é um problema que também está ocorrendo em outros estados da federação brasileira, ainda que em magnitude diferente, denotando a necessidade de alteração da legislação federal e estadual visando uma distribuição mais equitativa, justa e em cumprimento dos dispositivos constitucionais.
Segundo estudo premiado pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN), os municípios que mais perderam receitas em 2008, foram: Belém (193 milhões), Ananindeua (41 milhões), Benevides (14 milhões) e Santarém (12 milhões), ou seja, o regramento territorial baseado na produção mineral desonerada para exportação pela Lei Kandir não é o melhor arranjo econômico federativo no atual quadro, pelo contrário o debate sentimental da perda de Carajás deveria esclarecer a população de Belém e outras regiões que, muito pelo contrário, ela ganhará em termos tributários com a possível formação de um novo ente federativo.
iv) Por último, considerando a longa dissertação já feita, convém observar que na disputa federativa, regiões como o Nordeste brasileiro somente adquiriram poder interventivo na federação em função do tamanho de suas bancadas, obviamente considerando que a possibilidade de melhorar a qualidade dos atores relaciona-se também ao aspecto quantitativo, uma velha condição dialética a “quantidade pode gerar a qualidade”.
Não considero, definitivamente, que o debate sobre a divisão do Pará devesse estar colocado, tínhamos e temos muitas outras questões mais fundamentais a serem discutidas publicamente. Infelizmente, como no início do texto expusemos, a fraqueza das elites locais levaram a questão até o atual limite. Compete a todo Paraense se posicionar, e considero que qualquer decisão tomada deva se orientar pela racionalidade e análise das condições futuras de desenvolvimento com justiça, qualidade de vida e novos padrões sociais e econômicos para a Amazônia Paraense, de outro modo: “Todos somos Amazônicos”, antes de sermos Paraenses, velho ensino que os Cabanos há muito nos herdaram.
O debate sobre a divisão do Pará somente se tornou tão forte em função da fraqueza política do atual governo. Sou morador de Marabá e somente vou votar pelo sim porque não há alternativa, é melhor um estado de Carajás que possamos eleger nossos governantes, do que um governo distante e sem projeto!
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