O império
estadunidense copiosamente chora as vítimas do 11/09 de 2001,
conferindo a sua dor o peso do poder imperial terráqueo, assim como
mostram os números macabros divulgados no sítio
http://www.unknownnews.org/casualties.html,
donde se registra que para cada um dos 2.900 vítimas do ataque, mais
de 900 mil pessoas já teriam perdido suas vidas até hoje. Emir
Sader nos fala de outra ação do poder imperial estadunidense: o
golpe militar no Chile socialista de 1973, reproduzimos na integra
seu texto.
Por Emir
Sader
Não era
a primeira vez que eu despertava com o ruídos dos aviões
sobrevoando a região. Dois meses e meio antes, no final de junho,
tinha vivido essa circunstância angustiante. Tinha descido correndo
até o Palácio da Moeda, que ficava a duas quadras do prédio de
apartamento central onde eu morava.
A imagem
era a que voltaria a presenciar poucas semanas depois: tropas
cercando o palácio presidencial. Setores das FFAA mais radicalizados
forçavam o resto das instituições militares a acelerar o golpe em
preparação. Mas as condições não estavam dadas, a tal ponto que
o Comandante-em-chefe das FFAA ainda era leal a Allende – Carlos
Prats, que percorreu todos os quarteis rebelados e, com argumentos e
força moral, conseguiu a rendição dos golpistas.
Nessa
noite, com a Praca da Constituição, em frente ao Palácio da
Moneda, mais lotada do que nunca, Allende optou por consagrar as
autoridades militares vigentes, não apenas, com justiça, a Prats,
mas aos comandantes das outras armas, suspeitos de estar nas
articulações golpistas. Estes seguiram seus planos, conseguiram
tirar Prats e substituí-lo por Pinochet que passou, agora de dentro
do governo mesmo, a articular o golpe.
No dia 4
de setembro, aniversário da vitória eleitoral de Allende, três
anos antes, a maior multidão que o Chile tinha conhecido saiu às
ruas para expressar seu apoio ao governo. Mas nada brecou as
articulações golpistas. Quando Allende se preparava, dia 11 à
noite, para fazer um pronunciamento ao país em rede de radio e
televisão, os militares golpistas, alertados por Pinochet,
anteciparam o golpe, aproveitando-se também das manobras militares
de um porta-aviões norteamericano, no porto de Valparaíso.
Assim,
poucas semanas depois, voltei a ser acordado pelo zumbido dos aviões
sobrevoando. Desta vez não havia dúvidas que era uma nova tentativa
de golpe, desta vez a definitiva. Desci da mesma maneira e fui à
Praça da Constituição. Desta vez o Palácio da Moeda estava
cercado por um contingente claramente maior de tropas.
Santiago
já estava sendo ocupada, Valparaíso era a sede do movimento
golpista, que tomava as rádios e TVs e Pinochet anunciava o ultimato
a Allende, com prazo do meio dia, hora em que o Palácio da Moeda
seria bombardeado. Paralelamente mandaram a Allende a proposta de que
ele abandonasse o Palácio, com seus parentes, para ser enviado por
helicóptero ao exterior. Ressoou por toda a Cordilheira o palavrão
com que Allende rechaçou a oferta dos golpistas.
Allende
se dirigiu pela última vez ao povo na rádio da central sindical,
seu famoso discurso em que nanuncia que “mais cedo do que se
imagina as grandes alamedas da democracia se reabrirão no Chile”.
E seguiu resistindo, a partir da janelinha mais alta do Palácio, de
onde se dirigia ao povo, com o capacete que os mineiros tinham dado a
ele a o fuzil soviético AK-47 que Fidel tinha lhe presentado.
Allende, um pacifista por excelência, empunhava armas para defender
a democracia e o mandato que o povo lhe havia concedido.
O prazo
foi adiado um pouco, mas finalmente os caças bombardeiros ingleses
despejaram todo seu poder de fogo sobre o palácio presidencial,
símbolo da extraordinária continuidade democrática chilena, só
rompida, até ali, em dois breves momentos, desde 1830. A imagem que
se reproduz sempre é significativa do que se vivia naquele momento:
um presidente legitimamente eleito pelo povo chileno, cercado pelos
militares golpistas, bombardeado, como resultado de um complô que
tinha se iniciado assim que Allende ganhou as eleições, antes mesmo
que tomasse posse.
Em
reunião no Salão Oval da Casa Branca, Agustin Edwards, proprietário
do jornal El Mercurio, se reuniu com Nixon e com Kissinger, começando
a planejar o golpe. Kissinger afirmou que era preciso “salvar o
povo chileno das suas loucuras”. Essa articulação desembocou no
golpe, na destruição da ditadura chilena e na instauração do
regime mais feroz que o Chile conheceu.
Allende
preferiu o suicídio a abandonar o Palácio vivo. Neruda morre poucos
dias depois de 11 de setembro. Victor Jara teve seus pulsos amputados
e morreu no então Estadio Chile, rebatizado no fim da ditadura como
Estadio Victor Jara. Milhares de pessoas foram presas, torturadas,
assassinadas, desaparecidas, exiladas. A democracia chilena foi
destruída, com ela o Parlamento, a Justica, os sindicatos, os
partidos políticos, a imprensa democrática.
Tudo
começou naquele 11 de setembro. Fui detido, junto com outros
brasileiros, numa delegacia de polícia, assim que o toque de
recolher foi suspenso e pudemos sair à rua. O Estádio Chile estava
superlotado, não sabiam o que fazer com tanta gente esperando nas
delegacias. Antes que voltasse o toque de recolher, liberaram uma
parte dos presos, com o que pudemos ser liberados. Há 38 anos. O
Chile começava a viver apenas o início do inferno de terror da
ditadura pinochetista.
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