Segue a segunda parte do artigo do Prof. Aluizio Leal sobre a divisão do Pará. Como antes alertamos a posição do Prof. Aluizio é distinta da do editor deste blog. Vamos a leitura!
Por Aluizio Leal
Aqui mesmo,na nossa Região,o Amazonas já
foi alvo de uma primeira investida,no sentido de serem desmembrados territórios
seus reconhecidamente ricos em recursos naturais,como são os casos do Alto
Solimões e do Rio Negro,que sediam expressivas riquezas minerais de várias
ordens.
A campanha pela redivisão do Pará envolve
dois casos:o dos Carajás,e o do Tapajós.E êles são,ao mesmo tempo,diferentes e
semelhantes entre si.Diferentes,porque no primeiro já se executou tudo o que
ainda precisa ser executado no segundo;semelhantes porque em ambos existe a
mesma “mecânica”de pressão: grandes grupos colonizadores vindos de fora,deslocando
os incompetentes donos do poder local,e que agora o querem diretamente para si através
da criação de um Estado, para melhor criarem todas as condições que vão permitir
e garantir aumentar o seu projeto de poder.
Não existe mais Amazônia no Sul do
Pará,onde querem “criar” o Carajás.Alí – por onde se iniciou a colonização
amazônica recente,subordinada às condições da integração do Brasil à economia
mundial capitalista no pósguerra pelo aventureirismo empresarial do Centro-Sul
–,alí a Amazônia já foi inteiramente destruída por pelo menos cinco décadas de
uma devastação impiedosa,que arrasou tudo para criar fazendas,atrás das quais
vieram os frigoríficos que ajudaram a formatar o agronegócio,sendo seguidos
pela mineração – um processo que só fêz inchar e inchar, produzindo enormes fortunas
à custa de uma gigantesca miséria,que faz daquela região uma das mais ricas e mais
miseráveis de todo o país,senão a maior de todas. Os “donos” do Carajás são os
mineiros, paulistas e sulistas em geral,que começaram a chegar lá nas levas da compadragem mineira do período juscelinista,na ciranda
de corrupção e favorecimento associada à construção de Brasília e da
Belém-Brasília,logo depois completada,de modo eficiente, pelo desenvolvimentismo e pela corrupção fardada da Ditadura
Militar.
Agora é o Tapajós o novo alvo,objeto de uma
colonização “tardia” – semelhante,nas suas linhas gerais,à que aconteceu no
espaço dos Carajás;mas com uma diferença:a de que está surgindo aqui pelo menos
cinquenta anos depois. O Carajás surgiu no período em que a Amazônia foi
estuprada; a ocupação do Tapajós e do Baixo-Amazonas surge no período em que
ela está sendo prostituída; dois processos semelhantes,apenas separados no
tempo.O Tapajós representa uma realidade diferente,pois é uma parte da Amazônia
que – à parte a região do Xingu,outro espaço riquíssimo porém já sensìvelmente
atacado pela ocupação – durante cinco décadas,conservou-se a salvo das piores
conseqüências do desvairio ocupacionista,principalmente o que foi impôsto à
fôrça pela Ditadura Militar.Agora,porém,quando o sistema capitalista se vê
acossado pela metástese de uma crise persistente,incapaz de ser debelada,que
manda que sejam ocupados todos os espaços ainda não destruídos pelo Capital
para que êle,sistema capitalista,possa garantir um sobrefôlego e um projeto de
sobrevida, ganha nexo e ganha fôrça a campanha pelo desmembramento político de
um território tão vasto e tão rico para entregá-lo nas mãos da horda colonizadora
que o explora, sobretudo porque cabe ao Brasil,no contexto da Divisão
Internacional do Trabalho,a tarefa de ser, cada vez mais,um país primário-exportador,o
que faz do empresariado do agronegócio o principal sócio privilegiado do
corrupto govêrno brasileiro.É por isso que nas últimas décadas, sobretudo nos
últimos dez anos, a região do Baixo-Amazonas foi invadida por uma estrangeirada
tanto do Norte como do Sul – ou representada pelas gigantescas emprêsas da
mineração ou do agronegócio,como a ALCOA e a CARGILL,oriundas do país no qual o
Imperialismo sedia o seu comando,ou os estrangeiros do Sul, que falam português
mas nada têm a ver com a nossa etnia,a nossa cultura e a nossa terra.Êles vieram
para cá para tomar para si a terra,e o que de precioso nela existe.Até
anteontem sequer sabiam onde ficava a Amazônia,e muito menos o Baixo-Amazonas –
mas agora declaram,naquela típica cantilena surrada e calhorda, o seu “amor”
por ela como amazônidas de coração, para justificarem
o seu avanço feroz sôbre a terra e as suas riquezas.São os sojeiros,os
fazendeiros,os madeireiros,os grileiros,que representam uma facção capitalista
muito mais voraz e muito mais predadora que a oligarquia local,que,incompetente
como burguesia, se associa a êles pela sua identidade de classe;e que embora vá
ser inteiramente engolida e desalojada do poder por êles, é solidária a êles
por ter a mesma mentalidade e o mesmo projeto pelos quais se explora o povo e
se forma a riqueza tendo como base a desigualdade social.
Alguns fatos servem para comprovar como não
só as condições de vida e a democracia não surgem por geração espontânea – bastando
que para isso surja um novo Estado –, como também que a corrupção sempre se conserva
como elemento próprio da realidade,velha ou nova.O caso do Amapá é um caso
emblemático:Depois de consolidada a sua individualidade política e implantado o
projeto econômico para o qual foi criado, tornou-se um Estado que,durante todo o
período em que durou êsse projeto,gravitou exclusivamente ao redor dêle,cuja
emprêsa tornou-se a virtual “dona” do Território e da sua vida política.NENHUMA
melhoria social maior surgiu nêle;apenas as medidas destinadas a aprofundar a
sua condição e o seu papel de espaço de exploração econômica.Ao redor do pôrto
que foi construído para mandar para fora o minério roubado ao Amapá,surgiu uma
cidade – Santana –, cujos índices sociais e cujas condições de miséria são
alarmantes.É claro que isso não impediu – ao contrário! – que ao seu lado se instalasse
um vigoroso processo de corrupção,que faz do Amapá – um Território “criado para
o progresso” – o campeão absoluto das operações da Polícia Federal que
investigam o uso criminoso dos recursos públicos,enquanto a maioria do seu povo
vive mergulhada na pior miséria.Levantamentos feitos a respeito disso mostram
que desde que a Polícia Federal iniciou essas operações,o Amapá foi alvo de 23
delas, com um total de mais de 309 prêsos,alguns dêles “ilustres”,pois em uma
delas (a “Mãos Limpas”) foram prêsos o próprio governador do Estado, Pedro
Paulo Dias,e o ex-governador e candidato ao senado,Waldez Góes. Aliás,durante essa
mesma Operação,em todo o país a Polícia Federal encontrou inúmeros bandos
organizados para o roubo de recursos públicos no interior do aparelho
administrativo de três Estados, envolvendo os seus governadores: no Amapá,no
Tocantins(Carlos Gaguim),e no Mato Grosso do Sul (André Pucinelli),além de dois
ex-governadores: Waldez Góes e Zeca do PT. Êsse esquema solerte de desvios de
recursos somava inacreditáveis UM BILHÃO DE REAIS! Se algo “democrático” havia no
coração dessas quadrilhas,era a origem partidária dos envolvidos:entre os
governadores,um do PP (o do Amapá),dois do PMDB (o do Tocantins e o do Mato
Grosso do Sul);e, entre os ex-governadores, um do PDT (o do Amapá) e um do PT (o
do Mato Grosso do Sul),numa invejável demonstração de como a corrupção,ação
entre amigos que faz parte da nossa realidade política, garante o acesso democrático
ao roubo sem distinção de côr partidária,num padrão de fazer inveja a qualquer
defensor da democracia pela redivisão,pois nem por acaso,todos êsses governadores
– e exs – pertencem a três Estados que foram desmembrados
do Pará,de Goiás,e do Mato Grosso.Aliás,não custa lembrar as situações do
Tocantins e do Mato Grosso do Sul:o primeiro estabeleceu-se como um feudo da
família Siqueira Campos,acompanhando uma leva colonizadora formada por gente de
fora,que gerou fortunas enormes à base do agronegócio,coisa que alimenta a
arenga dos defensores dêsse modêlo de progresso,que só mencionam como um dado
positivo o surgimento da riqueza,escamoteando que,ao lado dela sempre se
conserva e se agrava a terrível pobreza que existia antes, como no Tocantins,no
qual a massa nativa, oriunda da miséria do seu Estado original,Goiás,e mantida em
uma situação de agudo pauperismo,o que faz do Tocantins o espaço de uma dura
desigualdade social,no qual o contraponto político ao poder da família Siqueira
Campos só pôde surgir porque se acompanhou daquilo que dá fôrça ao poder,na
realidade brasileira:uma enorme organização corrupta,que tem no ex-governador
Carlos Gaguim um dos seus maiores expoentes.O Mato Grosso do Sul, por sua vez,não
é um Estado dos matogrossenses do sul: é,isso sim, um Estado dos riograndenses
do sul,catarinenses,paranaenses,paulistas,etc.,que concentram a riqueza e mandam
na economia local através do agronegócio,enquanto a massa do povo vive em
condições críticas.
Se criado,tudo aponta no sentido de que o
Estado do Tapajós vai dar um impulso extraordinário à permanência dessas condições.ALCOA,CARGILL
,Mineração Rio do Norte, pecuaristas,plantadores de soja,vão ser os grandes
financiadores dos recursos de campanha para a eleição de deputados estaduais,governadores,prefeitos,deputados
federais,senadores,etc. – os políticos locais,já de ôlhíssimo na possibilidade oportunista
de virem a se tornar os novos serviçais dos novos donos, com o direito de colocar
a mão,como bem entenderem,nos fartos recursos públicos que vão surgir, ajudados
pela sempre presente corrupção que acompanhará a formação do contrôle local do
poder. Uma vez no “govêrno”,êsses eleitos vão privilegiar os projetos de lei,os
decretos,as concessões e as vantagens do interêsses dos seus
financiadores,convocando o povo sempre
que fôr necessário, para votar, garantindo a conveniente “legitimidade democrática”ao
seu projeto,do qual êle,o povo, está excluído.Portanto, para o povo sobrarão, como
sempre,apenas a manipulação e a conversa fiada.E, junto com a perda da sua
terra,a obrigação ao sagrado DEVER do voto,para,como
sempre,caindo na conversa das propagandas de campanha – que,agora,é a do NATIVISMO –,eleger os políticos que vão servir aos
interêsses dos colonizadores.
E por que tudo isso acontece? Porque UM SISTEMA NUNCA MUDA. Todo sistema cria
as suas regras (as suas leis)para não ser derrotado.Só há uma maneira de mudar
um sistema: é ele ser mudado. Assim, enquanto
permanecerem as suas regras,um sistema sempre vence – e um sistema desigual sempre vence contra o povo. Dêsse modo,a mera
criação de um novo Estado jamais vai fazer com que mude a essência do contrôle
do poder: apenas vai fazer,isso sim,que o poder político passe dos antigos poderosos
para os novos.
O pretendido Estado do Tapajós é um caso
preocupante,não só porque o novo poder que surgiria com êle é composto de gente
inteiramente estranha ao nosso povo e à nossa terra; é preocupante também
porque essas emprêsas e êsses indivíduos,que vieram para cá apenas para tomar para si a terra e o que a terra tem,TÊM OBJETIVOS E UMA
CAPACIDADE MATERIAL DE DESTRUIÇÃO MUITO MAIORES QUE OS DA INCOMPETENTE
OLIGARQUIA LOCAL QUE ÊLES VÃO DESTRUIR E DESALOJAR. Assim,a
existência de enormes riquezas naturais ainda não exploradas(a bauxita de
Monte-Alegre e a tantalita do Xingu,por exemplo), as enormes extensões de
terras ainda não ocupadas, a extraordinária riqueza visual da nossa Natureza(o
Xingu e o Tapajós estão entre os mais belos rios da Amazônia),tudo isso é uma
mercadoria tentadora para os novos donos do poder,que,para montar a sua
riqueza,iriam fazer do Estado do Tapajós um espaço de negociatas e um território
tão arrasado quanto o do Carajás,e que teriam inteira liberdade de decidir isso
diretamente através do contrôle político do novo Estado,criando facilidades
para os grandes grupos econômicos que deverão passar a possuir tudo o que – bem
ou mal – hoje ainda pertence ao povo da região.Há dois agravantes que apontam
para isso,ambos subordinados às determinações orgânicas do mercado mundial e à
ação, igualmente subordinada,do governo brasileiro: um é a pretendida Hidrovia do Tapajós,defendida pela APROSOJA,a associação dos
plantadores de soja do Mato Grosso do Sul – na verdade uma associação de
riograndenses do sul e outros alienígenas que são os donos daquêle Estado –,que
pretende estender os hoje aproximadamente 350 quilômetros navegáveis do Tapajós
transformando-o em uma via fluvial de 1.500 quilômetros,para,através dela,fazer
passar a produção de soja que,no biênio passado,foi de18 milhões de
toneladas,no rumo da – por êles assim chamada – esquina
privilegiada universal do comércio mundial (o pôrto de Santana,a cidade das
prostitutas-meninas, no Amapá, que fica no cruzamento da foz do Amazonas com o
Equador),para de lá ser exportada para o mercado mundial.Essa hidrovia,que
significaria um acesso muito mais completo a toda a extensão do Rio –
e,consequentemente,à sua ocupação destrutiva –,contaria com a decisiva ação do
govêrno federal em implantar um cordão de 8 hidroelétricas no Tapajós, Jamanxim
e Teles Pires, cujas eclusas garantiriam o tráfego dos enormes comboios de
balsas que transportariam a soja.O outro é uma PEC – Proposta de
Emenda Constitucional – que propõe a extinção do instituto dos terrenos de marinha,e a passagem do
contrôle sôbre êsses terrenos para as administrações municipais, proposta
entusiàsticamente apoiada pelo Conselho Nacional da
Indústria de Construção, pelo Instituto de Registro
Imobiliário do Brasil
(IRIB),e pela Confederação Nacional
dos Municípios,
entidades que congregam o empresariado interessado em ocupar as orlas marítimas
e fluviais marcadas por beleza natural,as margens de hidrovias que interessam à
ocupação e à exploração econômica,e as administrações municipais,de ôlho nessa
extraordinária oportunidade.Imaginem quais serão as conseqüências disso ao se entregar
um tesouro dêsse tamanho nas mãos de administrações municipais via de regra
indigentes e corruptas,frente ao poder econômico, virtualmente ilimitado,do
empresariado colonizador. O Tapajós,Estado do agronegócio,do extrativismo e da
mineração, tal qual o Carajás,se criado irá legitimar uma devastação sem
precedentes,apoiada nas bandeiras do progresso e do desenvolvimento,às custas
da destruição da nossa Natureza e das condições de vida do seu povo. Quem
viver,verá.
Portanto,apoiar a criação do Estado do
Tapajós nas atuais circunstâncias,ao contrário de ser uma prova de nativismo é,isso
sim,uma prova do nosso analfabetismo político,por não percebermos (ou nos
recusarmos a perceber?) o que está na raiz dessa cruzada farsesca; é uma
contribuição terrível à permanência e ao agravamento da corrupção; é uma atitude
de apoio e estímulo à precipitação de um processo de ocupação capitalista que
tem na destruição da Natureza o pressuposto do seu sucesso. É colaborar para a
entrega da nossa mãe-terra à sanha destruidora dos que vêm de fora e não têm
qualquer ligação sentimental com ela. É contribuir para que,sôbre
ela,recrudesça e se aprofunde o processo de destruição que o Capital perpetra,e
que nunca deixará de perpetrar enquanto não desaparecer. É contribuir,às custas
da destruição da terra em que nascemos,para a sobrevivência de um sistema que
sempre nos sangrou,e nos saqueia.É se tornar servil ao Capital e aos seus
planos,embora tentando fazer parecer que se está contra êle.
Só faltaria dizer
que,depois de sabermos de tudo isso,continuamos apoiando tudo isso. O que faria
de nós a mais travosa das massas de manobra – uma massa de manobra consciente – a favor dos piores projetos contra a nossa
terra. De nada adianta discursarmos que somos inteiramente contra os
estrangeiros que a aviltam e a destróem,se nas nossas posições e na nossa
prática nos aliamos ao projeto dêles.Isso transforma o nosso discurso em uma mera
arenga,contraditória e solerte,que nos acusa mais do que nos eleva.Se
decidirmos ficar do lado dêles,de nada adianta tentarmos nos absolver da responsabilidade
dessa entrega consciente alegando os mais absurdos pretextos, como se isso pudesse
nos livrar da razão dessa atitude.Porque quem irá nos julgar é o implacável registro
da História.E é perante ela – queiramos ou não – que,um dia,nós iremos responder.