Por José Trindade
Muito recentemente o sociólogo Emir Sader foi envolvido em um quiproquó referente ao ser “convidado e desconvidado” para assumir a Fundação Casa de Rui Barbosa, vinculada ao Ministério da Cultura.
Em artigo recente o articulista Lúcio Flávio Pinto se utilizou do episódio para realizar análise sobre as relações entre os “intelectuais e o poder”, buscando construir comparação entre o sociólogo brasileiro e o escritor peruano Vargas Llosa, em seu "Jornal Pessoal" (1°Quinzena de Março).
Em artigo recente o articulista Lúcio Flávio Pinto se utilizou do episódio para realizar análise sobre as relações entre os “intelectuais e o poder”, buscando construir comparação entre o sociólogo brasileiro e o escritor peruano Vargas Llosa, em seu "Jornal Pessoal" (1°Quinzena de Março).
A temática em si é bastante valiosa, porém nos parece que o trato dado pelo articulista tanto ao episódio envolvendo Emir Sader quanto a percepção da relação de que a “principal função do intelectual – hoje e sempre – é estar longe do poder e o mais próximo dos seres humanos, seus clientes e patrões” (grifos meus), merece uma breve reflexão critica.
Como o debate sobre o que seja intelectual é bastante controverso e, principalmente, a relação que essa categoria específica de “ser humano” trava, travou e sempre travará com as relações de poder econômico e político não são consensuais, como assim bem demonstra o breve ensaio de Lúcio Flávio Pinto, por isso farei uso do trabalho do intelectual italiano Norberto Bobbio, intitulado “Os intelectuais e o Poder”, enquanto auxílio argumentativo.
O autor italiano considera a permanente interação entre “poder ideológico e poder político”, sendo que em qualquer sociedade sempre existirá uma diversidade de pessoas cujo atributo central seria lidar com as ideias em suas diversas dimensões.
Na medida em que nas sociedades contemporâneas o aparato tecnológico e institucional de “difusão da palavra” se tornou crescente, crescente também se evidenciou “o espaço a eles (intelectuais) concedido para se fazerem ouvir” e, ao mesmo tempo, “multiplicaram-se os meios de difusão das produções” dos mesmos.
Convive lado-a-lado, juntos ou mutuamente, “intelectuais ideólogos” e “intelectuais expertos”, conferindo a cada um desses tipos tarefas diferenciadas “como criadores ou transmissores de ideias ou conhecimentos politicamente relevantes”, ou seja, “é a diversa função que eles são chamados a desempenhar no contexto político” que os diferenciam.
Vale observar que o corte ou a significação de cada um desses tipos não se relaciona ao seu maior ou menor isolamento em relação ao “príncipe” de plantão (governante ou mandatário político ou econômico), inclusive por conta, como explica Bobbio que “existem intelectuais que aconselham o príncipe e outros que aconselham o inimigo do príncipe”.
Os conselheiros, seja de um lado ou de outro, compõem os “expertos” e sua função é fornecer “conhecimentos-meio”. Os ideólogos são “aqueles que fornecem princípios-guia”, sendo encarados pelos “poderosos” como os que têm “o papel de promotores de consenso”.
Tanto “ideólogos” quanto “expertos” atuam nas relações políticas e culturais e, por mais isolado que o pretenso ou efetivo intelectual se encontre, tentado construir uma “torre de marfim”, ou, como refere-se Lúcio Flávio, buscado a sua “humanidade, no sentido genérico”, inevitavelmente suas ideias acabarão, ao fim e ao cabo, úteis a algum uso político ou cultural.
Bobbio pressente nas concepções de maior pureza e abstenção ideológica a presença de certo “vício fundamental”, qual seja, o de que os “intelectuais neles aparecem, precisamente porque convencidos de serem um grupo autônomo acima das classes, desenraizados da sociedade em que vivem, e a diferença está, no máximo, em uma maior ou menor ostentação deste isolamento”.
Parece-nos que a percepção funcional que o editor de o “Jornal Pessoal” confere aos intelectuais comunga com esse último entendimento, reforçada pela ambiguidade com que trata Llosa e Sader, a partir de episódios não comparáveis.
Convém, ainda, denotar que Llosa nunca esteve longe do poder. Como lembra Lúcio Flávio ele foi candidato à presidência do Peru, em 1990, tendo sido derrotado por Alberto Fujimori. A plataforma política do candidato Llosa era ultraliberal, defensor das reformas de Margaret Thatcher (Inglaterra) e Ronald Reagan (EUA).
Vargas Llosa é atualmente presidente da Fundação Internacional pela Liberdade, constituindo uma das principais vozes do pensamento neoconservador mundial. O que não nega sua grandeza de romancista, que os diga, entre outras, “A guerra do fim do mundo”, leitura necessária sobre o imaginário de Euclides da Cunha, quanto o ensaístico “A cidade e os cachorros”, de uma época em que Vargas Llosa propugnava socialismo e liberdade, até o premiado “Conversa na catedral”, obra que justificou sua atribuição ao prêmio Nobel de 2010.
Como bem pontifica Norberto Bobbio não há “torre de marfim”, sendo que a posição e o fato de ser e agir como intelectual não pode ser simplificado por condicionantes do tipo “mais próximo do poder, menos intelectual o intelectual é” (Lúcio Flávio).
Da nossa parte não nos parece condenável nem Emir, nem Llosa, ambos são intelectuais e defendem posições em diversos aspectos distintas e, em outros pontos quiçá assemelhadas. O que não nos parece correto na divagação de Lúcio Flávio Pinto é a concepção de intelectual, algo discutível, porém no campo das ideias. Entretanto, não coerente e, nesse caso, preconceituosas são as deduções que abstrai do episódio envolvendo Emir Sader.
Conferir: Norberto Bobbio. Os intelectuais e o poder. São Paulo: Editora Unesp, 1997.
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