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Editor: José Trindade



terça-feira, 25 de janeiro de 2011

REFORMA TRIBUTÁRIA: DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E JUSTIÇA FISCAL(1)

Por José Raimundo Barreto Trindade*


Em 2007 tínhamos assumido junto a governadora Ana Júlia o compromisso de gestar as finanças do estado do Pará, aquela altura já tínhamos claro que diversos componentes da estrutura orçamentária governamental, inclusive políticas públicas centrais como educação e saúde, requereriam uma capacidade de financiamento superior àquela que a arrecadação tributária e as transferências da União nos possibilitavam.


A defesa de uma Reforma Tributária não era naquela altura e nem hoje somente componentes discursivos, faz-se imperativo a sociedade paraense, talvez bem mais que a sociedade nacional, a realização de ajustes estruturais no sistema tributário. Consideramos imperativo que a bancada federal do Pará e, especialmente, os deputados do Partido dos Trabalhadores assumam esta bandeira e possam estabelecer, juntamente, com outras bancadas estaduais uma frente em defesa de pontos chaves num processo de Reforma Tributária, tendo como eixos a justiça fiscal e as condições de desenvolvimento econômico do estado do Pará.

O debate posto se torna ainda mais imperioso por conta de que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu em fevereiro de 2010 pela inconstitucionalidade da Lei complementar 062/89 que define os critérios de rateio do Fundo de Participação dos Estados e do DF (FPE), sendo que a referida lei perderá os seus efeitos no dia 31 de dezembro de 2012. Portanto o debate federativo estará posto tanto em termos dos aspectos da legislação tributária, como também dos aspectos de equalização e distribuição dos recursos arrecadados.

Nos últimos vinte anos as relações fiscais federativas se deterioram visivelmente, agravadas pelos seguintes aspectos: a) baixa taxa de crescimento econômico e inexistência de políticas de planejamento do desenvolvimento econômico nacionais; b) estímulo a disputa predatória entre os estados federativos com base na renúncia fiscal; c) incapacidade de negociação de novo ordenamento jurídico tributário entre os entes nacionais e sub-nacionais; d) decorrente do aspecto anterior: fragmentação do sistema tributário e a implementação de legislação complementar que enfraqueceu ainda mais as bases federativas, cujo exemplo mais proeminente e de grandes repercussões para o Estado do Pará foi a Lei Kandir (Lei Complementar 87/96).

Os dois mandatos de FHC apresentaram taxas mínimas de crescimento econômico, um pouco acima de 2%. No primeiro mandato de Lula também não se conseguiu sustentar taxas mais representativas de crescimento atingindo uma média de 2,5%, porém, realizou um forte processo de distribuição de renda através do crescimento da massa salarial, inovações nos instrumentos de créditos, bolsa família e o crescimento dos empregos. As baixas taxas de crescimento reforçaram ao longo desse período a necessidade de elevação da carga tributária federal, vis-à-vis as necessidades de financiamento dos gastos públicos e, principalmente, as metas de superávit primário.

Somente no segundo mandato do presidente Lula observa-se taxas sustentáveis de crescimento econômico que, a despeito da crise de 2009, possibilitou uma média de 4% durante o segundo mandato. Essas melhores taxas de crescimento, aliadas as baixas taxas de inflação, possibilitou alguns ajustes positivos em termos da estrutura tributária, tais como a extinção parcial da cumulatividade da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), uso de forma regulatória do Imposto sobre Operações financeiras (IOF) e redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) quando da crise de 2009, porém os principais componentes de distorção econômica e regressividade tributária permanecem.

Duas iniciativas de reforma do sistema malograram durante o governo Lula. Em 2003 foi aprovada no Congresso Nacional uma proposta muito restrita, basicamente de ajuste fiscal. Em 2008 uma proposta mais ampla e consistente foi encaminhada pelo Governo federal ao Congresso (PEC 233), porém as condições de crise econômica em 2009 e as diversas discordâncias políticas e federativas acabaram por adiar indefinidamente o exame da proposta.

Em termos dos Estados, o ICMS, que é o principal Imposto sobre Valor Agregado, e que no Brasil apresenta um sistema misto de recolhimento, ou seja, é em parte coletado na origem (maior parte) e parcela no destino, a desoneração passou a ser utilizada como mecanismo principal de atração de empresas ou mesmo manutenção de investimentos antigos, acentuando, via renúncia, as perdas de receitas por parte dos entes federados e aprofundando a fragilidade fiscal dos mesmos. Segundo estudos da Secretária Executiva do Ministério da Fazenda (2009), as perdas totais nacionais com a renúncia fiscal remontariam a aproximadamente 25 bilhões de reais nos últimos cinco anos.

O Estado do Pará em termos pontuais foi dos entes federativos mais atingidos pelo impacto da fragmentação do sistema tributário, especificamente a implementação da Lei Kandir, ainda durante o primeiro mandato de FHC, foram mais 10 bilhões de reais no período de 1996 a 2006, implicando na perda por parte do governo estadual de dispor desta receita que poderia, na medida em que assim fosse destinado, alavancar políticas industriais e de desenvolvimento regional. As transferências federais debitadas a desoneração por exportação de produtos semi-elaborados, por mais que importantes, não conseguem cobrir as perdas globais.

Neste sentido, propomos o retorno da tributação das exportações de semi-elaborados, com base em baixa alíquota, que não gere perda de capacidade competitiva, porém possibilite receita aos estados da federação que são exportadores líquidos de produtos primários e semi-elaborados que os capacite a investirem em infra-estrutura, superando o histórico atraso econômico destas regiões da federação.

Vale observar, ainda, que durante os últimos anos o problema se tornou mais agudo por conta do expressivo aumento das exportações e da forma como se processa a desoneração das vendas externas quando a cadeia produtiva se dá em mais de um estado. Como a cobrança do ICMS ocorre na origem, os estados que produzem os insumos arrecadam impostos, enquanto os estados de onde partem as vendas externas são obrigados a ressarcir os exportadores pelos impostos pagos nas etapas anteriores. Há assim importante transferência interestadual de recursos não devidamente captada e compensada pela atual redação da Lei Kandir, o que tem levado alguns estados a recusarem o ressarcimento dos exportadores. 

Este é um dos principais problemas tributário do Estado do Pará. Para entendê-lo basta olhar a balança comercial paraense. Em 2009, fomos o segundo maior exportador líquido da União, ou seja, exportamos, aproximadamente, 8,3 bilhões de dólares e importamos dez vezes menos, ou seja, aproximadamente, 794 milhões de dólares. Devemos pesar junto ao Governo Federal que essa imensa capacidade de exportação líquida nos leva a reter um gigantesco saldo credor de crédito exportação de ICMS, pois somos o último elo (e mais frágil) da cadeia de exportação, na medida em que toda produção mineral e madeireira paraense destinada à exportação não estabelece ganhos na forma de ICMS e, principalmente, temos que creditar o ICMS das empresas exportadoras.


Nos próximos textos definimos outros elementos propositivos em termos da Reforma Tributária, inclusive em termos dos aspectos referentes a partilha de recursos federativos.


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* Professor do Departamento de Economia da UFPA, ex-Secretário de Fazenda do Estado do Pará e editor do PD13.

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