Por Zé Lins
INUNDAÇÃO (I)
Chove copiosamente sobre Belém,
alagando as almas
inundando desejos,
Chove sofregamente
numa cidade triste,
desfazendo aos poucos velhos quereres,
contradizendo antigas expectativas,
deixando o rastro alagado de ruas, quintais e bocejos sonolentos.
Chove lividamente sobre a baixada de homens gentis.
Cobre as camas, desfaz os leitos, sobrepôs angústias.
Eis um gole de cachaça, branquinha boa que penetra a alma e
aquece o corpo, recebe a enxurrada com a dose de fervor necessária.
A rua encoberta se desfaz e vira o que sempre foi: um igarapé oculto,
forma desfeita pelas mãos descuidadas e necessidades malditas dos maltrapilhos humanos.
Os quintais ao soçobrarem, se enchem e transbordam.
Resta, apenas, o grito comprido do "prego" encharcado no alto do biribazeiro.
A chuva alimenta o pega-pega dos moleques de rua,
na bola suada, na pira danada, na alegrada das brincadeiras
da água vadia.
Chove intensamente na nossa cidade triste.
INUNDAÇÃO (II)
Amanheceu um sol forte,
farta claridade, pouca suavidade.
Meus olhos escancarados cintilavam
de tanta luz,
na rua cachorros sorriam,
homens vadios,
velhos senis.
Meus olhos escancarados se curvavam,
crianças sem dentes sorriam suas bocas nuas,
bêbados crentes recitavam,
pastores descrentes oravam,
meus olhos encantados sorriam.
Na bodega aberta,
com a cachaça posta,
meus olhos atentos lamentavam
a luz recaída.
Fragmentadas as pupilas por fim esvaneceram.
Belém Morena boa
De olhos rasos
Lábios sedosos
Tuas chuvas são nossas lágrimas de alegria!
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