Em recente entrevista concedida ao jornal “Diário do Pará”, divulgada mediante matéria do jornalista Frank Siqueira (Domingo, 09/01/2011) o governador Simão Jatene volta a carga sobre os desequilíbrios das contas públicas da gestão Ana Júlia. Os números ainda são preliminares, como reforça a própria matéria, e que de fato só teremos números definitivos com a publicação do Balanço Geral do Estado, o qual deverá ser submetido a Corte de Contas até abril próximo.
Diversos números divulgados terão que ser posteriormente cotejados com os efetivos, considerando, inclusive o quanto de desequilíbrio está presente e o quanto se busca criar fantasmas necessários para a disputa política. Um breve retorno ao Relatório das Contas Anuais do Governo do Estado do Pará de 2006, obtidas no link www.tce.pa.gov.br/docs_pdf/contas_governador/ACG2006.pdf nos possibilita chamar atenção dos leitores para separação entre uso político e vacuidade técnica, ao mesmo tempo o quanto os interesses midiáticos momentâneos fazem ouvidos moucos para a memória recente, o que nos parece é que “sujos sempre falam dos mal lavados”.
Vamos então a uma breve análise, com base nos termos do referido Relatório das Contas Anuais do Governo do Estado do Pará (Exercício 2006).
As contas de 2006 foram fechadas mediante o expediente de antecipação das receitas provenientes do FPE, IPI, CIDE e outras receitas, no montante de R$ 79 milhões, do dia 10 de janeiro de 2007 para 31 de dezembro de 2006, conforme pode ser constatado no RCE às páginas 55/56. Esse procedimento é vetado pela Lei 4.320 (art. 35) que dispõe que “pertencem ao exercício financeiro as receitas nele arrecadadas”. Os técnicos do TCE apontam a incoformidade na página 57 do RCE:
“A Constituição Federal no artigo 24 inciso II, estabelece que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre matéria orçamentária, cabendo a União estabelecer regras gerais e aos Estados e Distrito Federal tratar das especificidades da matéria.
O Estado do Pará não acolheu os procedimentos estabelecidos pela portaria da STN, visto que a lei estadual nº 6.771, de 21-7-2005 - Lei de Diretrizes Orçamentárias para o exercício de 2006, no inciso I do art. 32 estabelece que as receitas orçamentárias dos órgãos, fundos e entidades integrantes dos orçamentos fiscal e da seguridade social devem ser registradas no SIAFEM no mês em que ocorrer o respectivo ingresso, conforme segue:
Art. 32. As receitas e as despesas orçamentárias dos órgãos, fundos e entidades integrantes dos orçamentos fiscal e da seguridade social devem ser registradas no SIAFEM, por ocasião da sua arrecadação e liquidação, respectivamente, o observando, obrigatoriamente, as seguintes peculiaridades:
I - receita - no mês em que ocorrer o respectivo ingresso;
Existindo norma estadual disciplinando a matéria, não estava o Governo do Estado obrigado a adotar o procedimento contido na portaria nº 447/02. Sobretudo, porque, sendo a mesma ato administrativo normativo não tem força de lei formal e nem pode se sobrepor a ela.
Portanto, infere-se que a prática adotada pelo Governo Estadual de utilização do procedimento da portaria 447/02, no exercício de 2006, além de apresentar-se contraria a referida norma legal, fere o princípio do equilíbrio fiscal, haja vista que, este fato prejudica a uniformização de procedimentos, afetando a execução orçamentária do ano de 2007, uma vez que parte das transferências recebidas já foi contabilizada em 2006...”.
Esse procedimento ilegal foi seguido de outro, claramente condenável na medida em que compromete o orçamento do governo seguinte com dividas contraídas pelo governo anterior. Nos referimos ao expediente utilizado em 2006 de cancelamento de empenhos referentes a despesas ocorridas sem a devida cobertura financeira, as quais foram canceladas em 2006 para serem pagas com recursos de 2007, sob a forma de Despesas de Exercícios Anteriores (DEA).
Os técnicos do TCE apontam essa ilegalidade e na página 78 do RCE registram:
“Em relação à execução da despesa orçamentária do Poder Executivo, mediante consulta na base de dados do SIAFEM/PA, detectou-se expressiva ocorrência de anulações de liquidação no exercício de 2006, registradas mediante uso do evento de código 525214”, no montante de R$ 299,4 milhões, conforme quadro sintético contido na referida página do relatório.
Na página 81 o Relatório de Contas explicita que as referidas “anulações de liquidação registradas no exercício não decorreram, tão-somente, de erros e/ou irregularidades. Trata-se de cancelamento do registro de despesas regularmente processadas, fato comprovado pelo pagamento em DEA, nos elementos e aos fornecedores indicados, no exercício em curso”.
Continua o Relatório na página 82 e seguintes:
“A obrigação assumida pela Administração frente aos credores decorre do efetivo fornecimento dos materiais adquiridos e da prestação dos serviços contratados. No caso das obrigações patronais, o fato gerador é a competência a que se refere o gasto. No caso de bens, a entrega dos mesmos. Quanto aos serviços, a data de realização. Portanto, estas despesas são afetas ao exercício segundo estes critérios.
Vale ressaltar que a liquidação não ocorre no momento de seu registro pela contabilidade, mas sim pela ocorrência dos fatos. O registro contábil é o mero reconhecimento dos fatos.”
A tabela comparativa entre o anos de 2005 e 2006 referente a despesas liquidadas pelo Poder Executivo, exposta na página 81 do RCE, talvez possibilite alguma luz quanto as dividas herdadas pelo governo Ana Júlia do governo anterior, inclusive valores referentes a concessionária de energia. Os dados do SIAFEM mostram que em 2005 as despesas liquidadas referentes a serviços de telefonia e eletricidade, nas rubricas de combustível, INSS e Correios e Telégrafos, totalizou R$ 154,8 milhões, enquanto em 2006 o montante totalizado foi de apenas R$ 49,1 milhões, portanto muito a menor, o que possibilita ensejar que as reclamações que o atual governador faz tão efetiva e corretamente quanto as dividas herdadas, também foram feitas pela então governadora Ana Júlia.
Trocando em miúdos: para fechar as contas de 2006 e apresentar a mídia local sua aparência de construtor e defensor do equilíbrio fiscal e das contas governamentais, o atual governador deixou rastro muito visível, sendo que o Relatório do TCE explicitou os problemas, o que torna o atual discurso governamental de “herança maldita” mais um componente do discurso eleitoral bem feito e que levou o udenismo psdebista novamente ao governo estadual, porém nada além disso. Os números podem ser torturados até confessarem o que se quer, porém mesmo para torturar números existem regras, e que estão bem explicitadas na Lei Federal 4320/64.
O atual Secretário da Casa Civil, em entrevista concedida ao atencioso Ronaldo Brasiliense (“O Liberal”, 26/12/2010) afirmou que o “governador não promete milagres”. O que nos parece, como antes já expusemos (conferir postagem “Duas entrevistas e um discurso prévio: há algo a encobrir”, PD 27/12/2010), que as diversas manifestações governamentais buscam construir justificativas prévias para possíveis fatos futuros: arrocho salarial do funcionalismo público e o protelar de obras e extinção de políticas públicas desenvolvidas pelo governo anterior.
Vamos acompanhar os números e os atos do udenismo psdebista!
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