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Editor: José Trindade



sábado, 23 de abril de 2011

Cambaleante em mar tempestuoso

Postamos artigo de Martin Wolf, publicado no Valor de 20/04/2011. Vale observar que o autor ressalta a séria instabilidade da economia estaduniedense e os fortes reflexos das incertezas presentes na maior economia capitalista.



Martin Wolf

É espantoso que a Standard & Poor's (S&P) possa dizer algo sobre a classe de dívida mais conhecida no mundo, considerada agregadora de valor. Afinal de contas, essa firma pertence a uma classe cujas falhas contribuíram para a crise financeira. Apesar disso, o anúncio de que a S&P está modificando de estável para negativa sua nota de longo prazo para a dívida pública federal dos EUA nos fez lembrar algo vital: a economia mundial não está em um caminho estável.

Ao contrário, para adotar uma frase muitas vezes aplicada pelo premiê chinês Wen Jiabao a seu país, a economia mundial está "instável, desequilibrada, descoordenada e insustentável". A situação fiscal dos EUA é apenas um de uma série de riscos, e longe de ser o maior.

Isso pode não parecer tão claro a julgar pelas previsões mais recentes no relatório Perspectiva Econômica Mundial, do Fundo Monetário Internacional (FMI). Em nível mundial, suas previsões são as mesmas que em janeiro: saudável crescimento de 4,4% em 2011 e 4,5% em 2012. Mesmo a taxas de câmbio de mercado, o crescimento é estimado em 3,5% e 3,7%, respectivamente.

A previsão é de que o volume de comércio mundial cresça 7,4% neste ano e 6,9% em 2012, após a recuperação de 12,4% no pós-crise em 2010. Prevê-se também que a inflação permaneça razoavelmente sob controle e que os preços ao consumidor subam 2,2% em 2011 e 1,7% em 2012 nas economias avançadas. Mesmo em países emergentes, a inflação deverá cair de 6,9% neste ano para 5,3% em 2012.

O relatório também revela o padrão de crescimento divergente. A previsão é de que os países avançados registrem uma recuperação moderada, com um crescimento de 2,4% em 2011 e 2,6% em 2012. Por outro lado, as economias emergentes e em desenvolvimento deverão crescer 6,5% nos dois anos, e a Ásia em desenvolvimento, tendo à frente mais uma vez a China e a Índia, deverá crescer 8,4% em dois anos.

Essa é uma transformação mundial. Mas é também um período de grande incerteza. O relatório Estabilidade Financeira Mundial, do FMI, abre com a visão ousada segundo a qual "os riscos para a estabilidade financeira mundial diminuíram" desde outubro de 2010. A confiança, efetivamente, melhorou. Mas realidade é outra coisa.

A rápida elevação dos preços das commodities contribui para provocar alta da inflação em economias emergentes e estagflação em países avançados. O resultado é uma pressão por aperto monetário. Sem dúvida, a alta nos preços das commodities cria desafios em toda parte.

Primeiro, não se pode dizer que os países avançados retornaram à normalidade: os déficits fiscais permanecem excepcionais; a política monetária está extremamente acomodatícia; o setor financeiro está frágil, especialmente na zona do euro; o crescimento do crédito tem sido notavelmente lento nos EUA e na zona do euro; em vários países, inclusive nos EUA e no Reino Unido, as famílias continuam extremamente endividadas e existem possibilidades de inadimplências de países, falências de bancos ou as duas coisas, na zona euro. Além disso, apesar da escala dos estímulos monetários e fiscais aplicados, a recuperação nesses países ainda deverá ser anêmica.

Em segundo lugar, embora os países avançados estejam em crise, várias economias emergentes estão sofrendo devido a uma expansão excessiva do crédito e superaquecimento. Em muitos países, especialmente na Ásia e América Latina em desenvolvimento, a produção está bem acima da tendência pré-crise.

Particularmente preocupantes são as posições da Argentina, Brasil, Índia e Indonésia. "Em muitas dessas economias", nota o FMI, "tanto a inflação plena como o núcleo da inflação estão subindo a partir do níveis baixos ou já estão bastante elevadas". O FMI refere-se ao Brasil, Colômbia, Índia, Indonésia e Turquia; nos últimos cinco anos, o crédito per capita praticamente dobrou nas economias emergentes, em termos reais. Muito disso deságua no mercado imobiliário. O FMI acrescenta que "essas expansões estão próximas daquelas vivenciadas antes de expansões aceleradas seguidas de contrações bruscas de crédito anteriores.

Terceiro, interações complexas e perturbadoras ocorrem entre os dois lados da nossa dividida economia mundial.

Uma delas vem por meio do boom de preços das commodities. O índice de preços de commodities, do FMI, subiu 32% entre junho de 2010 e fevereiro de 2011. Atrás desse aumento está a forte demanda nas economias emergentes, especialmente a China, condições de oferta adversas, especialmente de alimentos, e instabilidade política em alguns países produtores de petróleo. Alguns argumentam que a política monetária é a responsável. Essa opinião não é convincente. Mas taxas de juros extremamente baixas reduzem os custos de financiamento de estoques, ao passo que a desvalorização do dólar eleva os preços em dólares.

A rápida elevação dos preços das commodities contribui para provocar alta da inflação em economias emergentes e estagflação em países avançados. O resultado é uma pressão por aperto monetário. Um banco central mundial poderia estar apertando fortemente sua política monetária, embora essa resposta a uma mudança nos preços relativos obrigasse outros preços, inclusive salários, a cair, em termos nominais. Sem dúvida, a alta nos preços das commodities cria desafios para a política monetária em toda parte.

Outra interação vem por intermédio de afluxos de capital e da consequente pressão ascendente sobre as taxas de câmbio nos países emergentes. O aperto monetário agrava a pressão. Mas a pressão do câmbio não se faz sentir uniformemente, uma vez que a China administra sua taxa de câmbio de forma tão eficaz. Muitos países estão preocupados pois permitir valorização e grandes déficits em conta corrente torna suas economias vulneráveis a mudanças na política monetária americana. O FMI sugere que "no curto prazo, controles de capital podem ser o único instrumento à disposição das autoridades". Mas é duvidoso que economias abertas possam utilizá-los, como faz a China.

Por último, porém não menos importante,, temos a questão conexa do reequilíbrio da demanda mundial. Apesar do superaquecimento em uma série de países emergentes, o FMI conclui que a tendência para o reequilíbrio perdeu impulso. Como também observa o FMI, as consequências adversas do reequilíbrio fiscal para a demanda nos países de alta renda precisam ser parcialmente contrabalançadas por um aumento das exportações líquidas. Infelizmente, observa o FMI, "um fardo desproporcional de reequilíbrio da demanda desde o início da crise tem sido suportado por economias que não têm grandes superávits em conta corrente, mas atraem fluxos devido à abertura e profundidade de seus mercados de capitais". Tal reequilíbrio - a um só tempo limitado e maligno - intensifica consideravelmente os riscos de mais choques financeiros.

No geral, as autoridades monetárias enfrentam uma série de desafios complexos e interligados: normalização fiscal e monetária nos países avançados; correção do excesso de endividamento e a fragilidade financeira nessas economias; administração do superaquecimento das economias emergentes, ajuste a grandes mudanças nos preços relativos e reequilibrar todo o padrão da demanda mundial. Nada do que está acontecendo agora sugere que isso irá será administrado com competência, que dirá harmoniosamente. Em suma, quem pensa que estamos, agora, mirando planaltos ensolarados está se enganando. Ainda temos muita turbulência pela frente.

Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT (Financial Times)

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