Os protestos continuam em todo planeta, e as
primeiras análises dão conta de sua continuidade e possível radicalização
inclusive em solo estadunidense. Essas manifestações lembram em diversos
aspectos ondas de protestos anteriores, diversos comentaristas aproximam o
atual movimento de “rua global”, termo cunhado pela socióloga Saskia Sassen, da
Universidade Columbia (ver matéria), aos movimentos de 1968.
Publicado no Valor
Econômico deste fim de semana (7, 8 e 9/10/2011).
Por Diego Viana (de São Paulo, do Valor Econômico)
Nova York e as demais cidades "ocupadas"
nos EUA são a última estação no itinerário de manifestações que marca 2011 como
um ano de protestos. São irrupções com múltiplas faces e escopos diferentes,
mas, segundo a socióloga Saskia Sassen, da Universidade Columbia, "é
preciso constatar que estão se espalhando e são simultâneas. Afinal, em larga
medida, tratam de reivindicações sociais, justiça econômica e acesso ao trabalho".
Pode ser difícil encontrar o vínculo entre o levante
tunisiano que deu na Primavera Árabe, os protestos estudantis chilenos, os
enfrentamentos na Grécia, a fúria dos saques na Inglaterra, as manifestações
por moradia em Israel e os longos acampamentos em praça pública na Espanha.
Segundo a socióloga, o que se apresenta é o fenômeno da "rua global".
Enquanto espaços tradicionais da política, como as praças públicas, são
ritualizados, o espaço da rua é cru e, por isso, "um espaço onde novas formas
do social e do político podem ser feitas".
A crise econômica, com seus efeitos sobre a população
(jovens em particular) é o ponto de convergência entre lutas contra ditaduras
nos países árabes e as manifestações contra a primazia do sistema financeiro no
Ocidente. Segundo Ruy Braga, o impacto da crise em cada margem do Mediterrâneo
varia, mas produz revoltas. Na Europa, os jovens não aceitam os pacotes de
austeridade, que podem aprofundar o desemprego e a estagnação. "A
perspectiva de que o futuro está comprometido tem um impacto psicológico muito
forte. Nos EUA, pensar que um filho não vai superar o pai em qualidade de vida
é inaceitável."
O cientista político José Augusto Guilhon de
Albuquerque, também da USP, identifica como traço comum nos protestos de 2011
um "efeito-demonstração". O efeito consiste em descobrir que é
possível manifestar-se, descer à rua e ser ouvido. Nos países árabes,
submetidos há décadas a regimes despóticos, o efeito é mais visível. De uma
hora para outra, as populações encontram um canal de manifestação: a rua. Nas
democracias, o fenômeno é parecido. O que se expressa em protestos como o
espanhol, o americano e mesmo o israelense é o sentimento de alienação da
juventude, que sofre com alto índice de desemprego e não vê nos representantes políticos
iniciativas para enfrentar suas mazelas. "Quem não está alienado não
protesta", afirma.
"As pessoas estão experimentando aquilo que os
franceses chamam de 'ras-le-bol'", diz Guilhon. O "ras-le-bol"
exprime o transbordamento das frustrações. "As pessoas sabem que tem um
governo, que podem se manifestar, mas não adianta." Embora movimentos como
o espanhol e o americano tenham poucos vínculos institucionais e reivindicações
imprecisas, o transbordamento das frustrações conduz as pessoas às ruas.
Braga assinala que a ausência de vínculo
institucional pode ser só uma aparência. "A mobilização alternativa não
implica a ausência de instituições por trás. Não existe uma forma única de
fazer política." Para o sociólogo, as organizações difusas que coordenam
as manifestações em vários países representam formas alternativas de
institucionalidade, demonstrando que "a democracia representativa não é o
horizonte único da política".
Guilhon identifica três pontos que faltam aos
movimentos da Espanha e dos EUA para que obtenham sucesso político comparável
ao dos levantes na Tunísia e no Egito. Para o cientista político, o sucesso de
um movimento depende de ter uma identidade clara, um adversário definido (que
possa efetivamente ceder em algum ponto) e o horizonte de um benefício a obter.
Porém, "o sistema financeiro", contra o qual protestam os americanos
no distrito financeiro de Nova York, não é um adversário definido, mas um
conceito difuso; a proporção de "99%" não é uma identidade política
clara; e a noção de "democracia real" não fornece um horizonte
preciso.
Braga aponta que o processo ainda está em andamento e
a capacidade de produzir suas próprias formas de organização será determinante.
"Quando falta uma plataforma ou uma data limite de negociação, como nas
greves, o movimento pode se desmobilizar", diz. O que dirá se as
manifestações darão resultados será a capacidade de produzir "ganhos
organizativos, que sigam funcionando quando não houver mais tanta gente nas
ruas". Embora estime que a probabilidade de ocorrer algo assim esteja,
hoje, em 50%, o sociólogo ressalta que o aprofundamento da crise amplia as
chances.
Tanto por estarem espalhados pelo mundo quanto pela
variedade de suas demandas, a onda de protestos de 2011 suscita comparações com
1968. Aquele foi um ano que começou com greves na França, logo transformadas em
barricadas estudantis, emblemáticas pelos grafites nas paredes da Sorbonne.
Logo o rastilho se espalhou para a Tchecoslováquia, os EUA e o Brasil. Braga
aponta os paralelos entre os dois momentos, lembrando que, assim como os
manifestantes reagem a um grande evento mundial (a crise), os jovens de 1968
tinham a guerra no Vietnã como referência. Hoje, porém, a crise econômica é
profunda, atinge mais diretamente os jovens e não oferece horizonte de saída
para os países industrializados. "Isso tende a alimentar um período mais
longo de protestos."
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