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Editor: José Trindade



segunda-feira, 10 de outubro de 2011

2011, ano de protestos em todo o mundo


Os protestos continuam em todo planeta, e as primeiras análises dão conta de sua continuidade e possível radicalização inclusive em solo estadunidense. Essas manifestações lembram em diversos aspectos ondas de protestos anteriores, diversos comentaristas aproximam o atual movimento de “rua global”, termo cunhado pela socióloga Saskia Sassen, da Universidade Columbia (ver matéria), aos movimentos de 1968. 

Publicado no Valor Econômico deste fim de semana (7, 8 e 9/10/2011).

Por Diego Viana (de São Paulo, do Valor Econômico)

Nova York e as demais cidades "ocupadas" nos EUA são a última estação no itinerário de manifestações que marca 2011 como um ano de protestos. São irrupções com múltiplas faces e escopos diferentes, mas, segundo a socióloga Saskia Sassen, da Universidade Columbia, "é preciso constatar que estão se espalhando e são simultâneas. Afinal, em larga medida, tratam de reivindicações sociais, justiça econômica e acesso ao trabalho".

Pode ser difícil encontrar o vínculo entre o levante tunisiano que deu na Primavera Árabe, os protestos estudantis chilenos, os enfrentamentos na Grécia, a fúria dos saques na Inglaterra, as manifestações por moradia em Israel e os longos acampamentos em praça pública na Espanha. Segundo a socióloga, o que se apresenta é o fenômeno da "rua global". Enquanto espaços tradicionais da política, como as praças públicas, são ritualizados, o espaço da rua é cru e, por isso, "um espaço onde novas formas do social e do político podem ser feitas".

A crise econômica, com seus efeitos sobre a população (jovens em particular) é o ponto de convergência entre lutas contra ditaduras nos países árabes e as manifestações contra a primazia do sistema financeiro no Ocidente. Segundo Ruy Braga, o impacto da crise em cada margem do Mediterrâneo varia, mas produz revoltas. Na Europa, os jovens não aceitam os pacotes de austeridade, que podem aprofundar o desemprego e a estagnação. "A perspectiva de que o futuro está comprometido tem um impacto psicológico muito forte. Nos EUA, pensar que um filho não vai superar o pai em qualidade de vida é inaceitável."

O cientista político José Augusto Guilhon de Albuquerque, também da USP, identifica como traço comum nos protestos de 2011 um "efeito-demonstração". O efeito consiste em descobrir que é possível manifestar-se, descer à rua e ser ouvido. Nos países árabes, submetidos há décadas a regimes despóticos, o efeito é mais visível. De uma hora para outra, as populações encontram um canal de manifestação: a rua. Nas democracias, o fenômeno é parecido. O que se expressa em protestos como o espanhol, o americano e mesmo o israelense é o sentimento de alienação da juventude, que sofre com alto índice de desemprego e não vê nos representantes políticos iniciativas para enfrentar suas mazelas. "Quem não está alienado não protesta", afirma.

"As pessoas estão experimentando aquilo que os franceses chamam de 'ras-le-bol'", diz Guilhon. O "ras-le-bol" exprime o transbordamento das frustrações. "As pessoas sabem que tem um governo, que podem se manifestar, mas não adianta." Embora movimentos como o espanhol e o americano tenham poucos vínculos institucionais e reivindicações imprecisas, o transbordamento das frustrações conduz as pessoas às ruas.

Braga assinala que a ausência de vínculo institucional pode ser só uma aparência. "A mobilização alternativa não implica a ausência de instituições por trás. Não existe uma forma única de fazer política." Para o sociólogo, as organizações difusas que coordenam as manifestações em vários países representam formas alternativas de institucionalidade, demonstrando que "a democracia representativa não é o horizonte único da política".

Guilhon identifica três pontos que faltam aos movimentos da Espanha e dos EUA para que obtenham sucesso político comparável ao dos levantes na Tunísia e no Egito. Para o cientista político, o sucesso de um movimento depende de ter uma identidade clara, um adversário definido (que possa efetivamente ceder em algum ponto) e o horizonte de um benefício a obter. Porém, "o sistema financeiro", contra o qual protestam os americanos no distrito financeiro de Nova York, não é um adversário definido, mas um conceito difuso; a proporção de "99%" não é uma identidade política clara; e a noção de "democracia real" não fornece um horizonte preciso.

Braga aponta que o processo ainda está em andamento e a capacidade de produzir suas próprias formas de organização será determinante. "Quando falta uma plataforma ou uma data limite de negociação, como nas greves, o movimento pode se desmobilizar", diz. O que dirá se as manifestações darão resultados será a capacidade de produzir "ganhos organizativos, que sigam funcionando quando não houver mais tanta gente nas ruas". Embora estime que a probabilidade de ocorrer algo assim esteja, hoje, em 50%, o sociólogo ressalta que o aprofundamento da crise amplia as chances.

Tanto por estarem espalhados pelo mundo quanto pela variedade de suas demandas, a onda de protestos de 2011 suscita comparações com 1968. Aquele foi um ano que começou com greves na França, logo transformadas em barricadas estudantis, emblemáticas pelos grafites nas paredes da Sorbonne. Logo o rastilho se espalhou para a Tchecoslováquia, os EUA e o Brasil. Braga aponta os paralelos entre os dois momentos, lembrando que, assim como os manifestantes reagem a um grande evento mundial (a crise), os jovens de 1968 tinham a guerra no Vietnã como referência. Hoje, porém, a crise econômica é profunda, atinge mais diretamente os jovens e não oferece horizonte de saída para os países industrializados. "Isso tende a alimentar um período mais longo de protestos."

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