Espaço de debate, crônica crítica do cotidiano político paraense e de afirmação dos pressupostos de construção de um Pará e Brasil Democrático e Socialista!

Editor: José Trindade



domingo, 1 de maio de 2011

O reino de Suassuna (I)

O PD13 publica em dois momentos entrevista de um dos mais importantes nomes da literatura nacional. Ariano Suassuna fala de política, conjuntura internacional, influências e até a era digital. A entrevista foi concedida ao jornal Valor e publicamos aqui na integra.

Ariano Vilar Suassuna nasceu em Nossa Senhora das Neves, hoje João Pessoa (PB), em 16 de junho de 1927, filho de Cássia Villar e João Suassuna. No ano seguinte, seu pai deixa o governo da Paraíba e a família passa a morar no sertão, na Fazenda Acauhan.

Com a Revolução de 30, seu pai foi assassinado por motivos políticos no Rio de Janeiro e a família mudou-se para Taperoá, onde morou de 1933 a 1937. Nessa cidade, Ariano fez seus primeiros estudos e assistiu pela primeira vez a uma peça de mamulengos e a um desafio de viola, cujo caráter de “improvisação” seria uma das marcas registradas também da sua produção teatral.

A partir de 1942 passou a viver no Recife, onde terminou, em 1945, os estudos secundários no Ginásio Pernambucano e no Colégio Osvaldo Cruz. No ano seguinte iniciou a Faculdade de Direito, onde conheceu Hermilo Borba Filho. E, junto com ele, fundou o Teatro do Estudante de Pernambuco. Em 1947, escreveu sua primeira peça, Uma Mulher Vestida de Sol. Em 1948, sua peça Cantam as Harpas de Sião (ou O Desertor de Princesa) foi montada pelo Teatro do Estudante de Pernambuco. Os Homens de Barro foi montada no ano seguinte.

Em 1955, Auto da Compadecida o projetou em todo o país. Em 1962, o crítico teatral Sábato Magaldi diria que a peça é "o texto mais popular do moderno teatro brasileiro". Sua obra mais conhecida, já foi montada exaustivamente por grupos de todo o país, além de ter sido adaptada para a televisão e para o cinema.

Em 1956, afasta-se da advocacia e se torna professor de Estética da Universidade Federal de Pernambuco, onde se aposentaria em 1994. Em 1976, defende sua tese de livre-docência, intitulada A Onça castanha e a Ilha Brasil, uma reflexão sobre a cultura brasileira.


Murillo Camarotto | De Jaboatão dos Guararapes
29/04/2011


Suassuna em Jaboatão dos Guararapes: "Acho que cada país deve contribuir para a cultura universal com a sua nota peculiar, diferente, singular"
"Corre que hoje a chuva está molhada", gritava um vizinho enquanto Ariano Suassuna se apressava para entrar na casa de veraneio, que fica em um condomínio bem próximo ao mar, em Jaboatão dos Guararapes, região metropolitana do Recife. Modesto, o imóvel é repleto de obras de arte, todas no estilo do movimento armorial, criado em 1970 por Suassuna e defendido até hoje com um fervor adolescente.



Já acostumado a lidar com o desconhecimento do movimento por parte do grande público, o escritor de 83 anos tem sempre na ponta da língua a definição: "O objetivo principal é lutar contra o processo de vulgarização e descaracterização da cultura brasileira".

Nas paredes da sala, destaca-se entre as várias obras um tapete colorido no qual uma onça, uma cobra e três gaviões se unem formando um só animal. Criada por Suassuna, a figura representa as facetas da morte, que o autor de "O Auto da Compadecida" e de "A Pedra do Reino" diz não temer.

Abaixo do tapete repousa um aparelho de televisão cujo modelo não é dos mais modernos. É nele que o escritor vem acompanhando, satisfeito, a novela "Cordel Encantado", da Rede Globo. A veiculação da trama, argumenta, é "uma vitória para os que defendem a aproximação entre a cultura de massas e a cultura popular brasileira".

Neste fim de semana, Suassuna estará na capital paulista com a sua já tradicional aula-espetáculo, espécie de fusão entre teoria e prática culturais. A aula será no teatro do Sesc Vila Mariana, antes da apresentação de "As Cochambranças de Quaderna", peça de sua autoria que une duas histórias. A primeira conta a saga de duas irmãs prometidas em casamento, na qual o noivo de uma delas resolve casar-se com a outra. A segunda trata de uma mulher que faz um pacto com o diabo para que este carregue para o inferno o seu marido infiel e a amante.

Fazendo jus ao apelido de "chocalho", atribuído à fama de conversador, Suassuna falou longamente ao Valor, com voz baixa e pausada, mas com o bom humor característico. Fã de Dostoiévski, Cervantes e Lula, o escritor falou de política, conjuntura internacional, influências artísticas e até da era digital, da qual prefere manter-se alheio, apesar de ter um blog administrado por seu assessor, Alexandre Nóbrega.

O mestre da literatura e da dramaturgia só economizou nas palavras quando questionado sobre seu novo romance, ainda sem data para lançamento pela editora José Olympio. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Valor: Como começou essa história de aula-espetáculo?

Ariano Suassuna: Começou há muito tempo, mas, oficialmente, quando fui secretário de Cultura do último governo Miguel Arraes [1995-1998]. Na primeira reunião que ele fez, pediu que os secretários apresentassem um programa imediato que não gerasse grandes gastos e tivesse alguma repercussão. Imaginei a aula-espetáculo. Disse logo que não queria assessores políticos, mas sim assessores artistas, que pudessem me ajudar. Então ele nomeou músicos e vários outros artistas, bailarinos, e eu, então, pude organizar essas aulas. No início do segundo mês, apresentei a primeira aula-espetáculo.

Valor: Qual é o formato dessa aula?

Suassuna: Normalmente dou uma aula teórica sobre a cultura brasileira e vou exemplificando com as diversas partes do espetáculo. A gente organiza antes, ensaia. Conto, atualmente, com cinco músicos, cinco bailarinos e dois cantores. Organizei, por exemplo, um espetáculo chamado "Nau". Conto com um grande músico e compositor, chamado Antonio Madureira. Ele compôs essa música "Nau" em homenagem aos portugueses que aqui chegaram em naus. Então, dei o nome do espetáculo de "Nau", que é como uma viagem pela cultura brasileira. A primeira música cantada e dançada nessa aula chama-se "Toré". Não sei se você sabe, mas toré é o nome de uma cerimônia religiosa indígena, e, como a primeira vertente cultural que influenciou a formação da cultura brasileira foi a indígena, nós apresentamos "Toré" como o primeiro número da aula, em homenagem à cultura indígena. Depois vem "Nau", em homenagem à cultura portuguesa. Depois vem um maracatu chamado "Estrela Brilhante", em homenagem à cultura negra. Normalmente é assim: a gente apresenta diversos números e narro a formação da cultura brasileira. E assim a gente vai até o fim.

Valor: Sobre o seu próximo trabalho, o senhor já falou que seria o "livro de sua vida", que reuniria em uma só obra dramaturgia, romance e poesia. Depois, falou também que seria uma trilogia, uma espécie de conclusão de sua obra, uma conclusão de "A Pedra do Reino". Afinal, o que está sendo preparado?

Suassuna: As duas coisas. Pretendo, nesse livro, terminar o romance que deveria ser uma trilogia. "A Pedra do Reino" acabou valendo por ela mesma. Então, hoje, "A Pedra do Reino" serve de introdução ao novo romance. Agora, isso não tem nada a ver com essas aulas-espetáculo.

Valor: Mas ainda sobre o próximo trabalho...

Suassuna: Olha, no caso do próximo trabalho eu não vou poder lhe falar muito, não, porque o editor pediu que eu não falasse.

Valor: Existe uma data para o lançamento?

Suassuna: Tem não.

Valor: Em uma entrevista, o senhor disse que "a cultura é a sede da honra e da alma de uma nação", mas só pode exercer esse papel se os chamados "soldados" (políticos e empresários) pavimentarem o caminho, já que o senhor, por exemplo, não pertencia a esse ramo. Após participar de alguns governos, o senhor se considera do ramo?

Suassuna: Não. Veja, os cargos que exerci foram sempre ligados à cultura e sempre pedi, e fui atendido, que não houvesse interferência política no meu trabalho. Sempre trabalho com independência. Exerço o cargo de secretário de Cultura como escritor que sou. Agora, sou um escritor preocupado com os problemas do meu país e procuro exercê-lo assim, até o ponto em que não interfira na minha liberdade criadora.

Valor: A quantas anda a política cultural no Brasil?

Suassuna: Na minha opinião, não só a política, mas a situação cultural no Brasil melhorou. Você talvez não tenha notado, pois é muito novo, mas, para uma pessoa na minha idade, o fato de a Rede Globo estar exibindo uma novela chamada "Cordel Encantado"... Olha, você não podia pensar nisso dez anos atrás.

Valor: O senhor a está assistindo?

Suassuna: Eu assisto à novela. Tenho restrições e as minhas condenações, mas a assisto, acho que as novelas da Globo são bem melhores do que qualquer enlatado americano. Acho que um escritor sério deve prestar atenção a isso.

Valor: O que significa para a cultura brasileira o fato de a Globo exibir essa novela?

Suassuna: Significa uma vitória para todos que sempre defendemos que a cultura de massas se aproximasse da cultura popular brasileira. E eles estão fazendo isso, estão procurando. Você veja, colocaram uma gravura animada na vinheta da novela. Uma vinheta claramente inspirada na gravura utilizada no folheto de cordel nordestino. E também tem um personagem que você jura que saiu do meu teatro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário