Por José Raimundo Trindade (Prof. Ufpa e Editor do PD13)
Estamos frente a uma nova rodada legislativa de debate e poucas convergências sobre a recorrente temática federativa de reforma do sistema tributário nacional. Nos últimos dez anos foram três tentativas de construção de um pacto federativo pela reforma tributária.
A última PEC 233 (Proposta de Emenda Constitucional da Reforma Tributária) esbarrou em dificuldades semelhantes às outras tentativas feitas na década que se encerrou.
Este artigo faz breve recapitulação das últimas tentativas de reforma, buscando localizar possíveis pontos facilitadores para o debate de articulação de um sistema tributário mais unitário, moderno, eficiente e mais simplificado, encerrando com análise dos condicionantes mais problemáticos e de interesse ao estado do Pará.
Richard Musgrave, respeitado teórico das finanças públicas estadunidense, há muito ensinava que qualquer reforma fiscal necessariamente é processual, dificilmente sendo possível realizar modificações significativas no sistema tributário de forma tempestiva. Porém, os sistemas tributários e fiscais envelhecem nas sociedades capitalistas rapidamente, requerendo mudanças e adaptações de tempo em tempo.
No caso brasileiro, as alterações ocorridas com a Constituição de 1988, focadas na descentralização e autonomia federativa, há muito caducaram, porém os arremedos feitos desde então e foram vários, consumaram uma cocha de retalhos pouco favorável a dois princípios tributários centrais: a neutralidade e a capacidade contributiva.
A reforma de 88 foi, antes de tudo, a negação da centralização fiscal, foi assim que em 1988 o Governo Federal (GF) detinha 62,3% da receita disponível total e os entes sub-nacionais 37,7%, sendo que deste total os municípios detinham 10,8%. Em 1998, esses números tinham evoluído para uma participação de 56,2% do GF, em contraposição os sub-nacionais representavam, naquele ano, 43,8%, abocanhando os municípios 17,2% deste total.
Durante os anos 90 e no início da década de 10, o movimento foi no sentido de reverter, a favor do GF a descentralização, sendo que a Constituição de 88 deixou a brecha necessária. O mecanismo encontrado foi o de utilização das chamadas contribuições sociais sobre receitas, a Cofins (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social) e a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), além da criação da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), hoje não mais existente. Nos anos FHC, houve a elevação da carga tributária nacional de 25,8% em 1993, para 35,6% em 2002. Daquele total as Contribuições Sociais evoluíram de uma participação de 2,6% para 6,2%, ou seja, cresceram 238%, um recorde olímpico.
As reformas propostas desde há primeira hora depois de promulgada a Constituição foram várias, vale destacar a Lei Complementar 87/96 (Lei Kandir), por conta da imunidade de exportação dos produtos semielaborados. Na época, o acordo federativo seria pela compensação das perdas, o que não se deu.
Especificamente, no caso do Pará, a situação é extremamente desvantajosa, na medida em que a estrutura produtiva paraense é em grande medida voltada a exportação de produtos semielaborados (minérios), combinando dois aspectos nefastos do atual regramento tributário do ICMS: o Pará fica com a conta dos créditos devidos aos empresários exportadores e os estados produtores de bens e insumos destinados à indústria mineral recolhem os tributos e repassam somente o devido da alíquota interestadual, portanto ficamos com o ônus e os estados desenvolvidos, produtores de maquinário e outros equipamentos necessários ao processo produtivo mineral, ficam com o bônus.
Entre 1997 e 2010, segundo cálculos realizados por estudos técnicos apresentados a Secretaria do Tesouro Nacional (STN), perdemos mais de 12 bilhões de reais, sendo 9 bilhões referentes ao estado do Pará e 3 bilhões referentes aos municípios paraenses, receitas que poderiam na medida em que assim fossem destinadas, alavancar políticas industriais e de desenvolvimento regional.
Em 2000 foi entregue ao presidente da Câmara Federal o projeto Mussa Demes, cujo teor continha diversas modificações na estrutura tributária nacional, destacando-se a instituição de um único Imposto sobre Valor Agregado (IVA) na esfera federal, com partilha de receita com as unidades subnacionais, o que se convencionou chamar de IVA centralizado, e o estabelecimento de um Imposto sobre Vendas a Varejo (IVV) para as demais esferas de governo. Essa proposta pouco caminhou e foi engavetada.
Duas iniciativas de reforma do sistema malograram de 2003 para cá. A primeira, aprovada pelo Congresso Nacional em fins de 2003, foi orientada pelos aspectos de ajuste fiscal, sem intentar enfrentar os delicados problemas referentes às relações federativas, bem como da redistribuição do ônus tributário, acabou se reduzindo a prorrogação da chamada DRU (Desvinculação de Receitas da União) e da hoje extinta CPMF, que durou até 2007.
A segunda iniciativa foi a PEC 233, de fevereiro de 2008, sem dúvida mais consistente e completa que as propostas anteriores, em função dos seguintes elementos: i) primeiramente, tratava-se de uma proposta que impactava não somente o principal tributo estadual (ICMS), como também alterava os principais tributos federais; ii) segundo, corrigia os problemas referentes a não partilha das contribuições. O IVA (Imposto sobre Valor Adicionado) federal proposto aglutinaria todas as contribuições e entraria na base da partilha do FPE (Fundo de Participação dos Estados) e FPM (Fundo de Participação dos Municípios), por outro, extinguiria a figura das contribuições, grande avanço que deveria ser comemorado por empresários e executivos estaduais; iii) o ICMS passaria, majoritariamente, a ser tributado para o destino, ou seja, o imposto seria destinado para quem de fato o paga: onde a mercadoria é vendida, mantida uma alíquota de controle de 2% ou 3%; iv) por último e central, o projeto trazia uma política de desenvolvimento regional, propondo um modelo que considerasse as enormes desigualdades regionais econômicas e sociais.
A referida proposta teve seu substitutivo aprovado na Câmara Federal no final de 2008, porém as discordâncias e polêmicas referentes a inúmeros aspectos no tocante às regras federativas acabaram por enterrá-la no cemitério das boas intenções que é o Senado brasileiro, logicamente favorecido pela crise econômica instalada em 2009 e pela proximidade da disputa eleitoral e do final do segundo governo Lula.
Devemos aprender com a história e decididamente propostas globais de Reforma Tributária parecem pouco realistas, por outro medidas paliativas podem piorar o enredo da estória. Que proposições interessam especialmente ao Pará?
Considerando a proposta em discussão pelo governo Dilma, três pontos nos interessam acompanhar muito de perto, a fim de que não sejamos pegos de surpresa como já ocorrido em 1996.
O primeiro ponto refere-se à positividade de se caminhar efetivamente para a cobrança do ICMS no destino, com a alíquota residual de 2% na origem. Segundo estudo realizado pelo GT08-Quantificação da COTEPE (Comissão Técnica Permanente, Circular 0320/08) do Confaz (Conselho Fazendário Nacional) mostra que o Pará seria um dos entes federativos mais favorecidos com a referida alteração, com o potencial ganho de 21,10%.
O segundo ponto de interesse paraense refere-se aos atuais mecanismos de ressarcimento pela desoneração de exportação de semielaborados. Esses mecanismos sempre foram problemáticos e, desde 2003 quando da extinção dos efeitos previstos na Lei Kandir, os valores transferidos aos Estados foi congelado e tratado como condicionante orçamentário, até a decisão do ano passado de não mais realizar a referida transferência. Não podemos suportar o ônus da desoneração, considerando as características do setor exportador aqui instalado. Em poucos anos teremos a exaustão das minas e os efeitos de desenvolvimento são extremamente dependentes da capacidade de financiamento do Estado.
Os recursos do Fundo de Participação no IPI pela Exportação de Produtos Industrializados (FPEX), os valores transferidos a título de Lei Kandir e o Auxílio Financeiro de Fomento à Exportação (FEX) tem sido insuficientes para cobrir as perdas dos estados exportadores. Frente à impossibilidade de retorno à cobrança sobre a exportação de semielaborados, cabe a necessária disputa pela constitucionalização de um Fundo de Compensação que considere os recursos hoje disponibilizados e citados acima, porém garantido o reajuste segundo critérios definidos em Lei Complementar.
Por último, convém destacar Fundo de Participação dos Estados (FPE). A inconstitucionalidade do Art. 2° da LC 062/89, colocou o FPE enquanto ponto central dos debates dessa nova rodada tributária. Manter a essência federativa do mesmo, principalmente pelo critério do inverso da renda, que se manteve através dos coeficientes congelados em 1989 constitui elemento de luta e disputa central. A possibilidade de modernização desse fundo com a inclusão de aspectos ambientais nos interessa, porém com o cuidado necessário de manutenção dos fatores de transferência de renda para as unidades subnacionais mais empobrecidas.
As recentes declarações dos governadores do Rio de Janeiro e São Paulo abrem novo flanco de disputa federativa, segundo o governador do Rio de Janeiro os critérios de repartição seriam injustos: “São Paulo é o maior contribuinte do FPE, entretanto, e o que menos recebe. O Rio é o segundo maior contribuinte e o segundo que menos recebe”. A completa inversão do debate federativo parece concatenar e instrumentalizar o discurso dos referidos governantes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário