O PT é o maior Partido de Esquerda da América Latina, sendo que ao longo dos últimos trinta anos tem dado contribuições expressivas à conformação da pálida democracia brasileira. Talvez fosse importante qualificar o adjetivo pálido e o seu uso, mas isso fica para um próximo artigo nosso.
Vale
reforçar que o PT de Belém se encontra em pleno exercício de um processo
extremamente vital para sua democracia interna: as prévias se reverteram em
importante momento de “reencontro partidário”, conformando momento impar para
construirmos real alternativa ao governo de Belém e consolidarmos a construção
de um Partido Democrático e Socialista.
Publicamos
artigo de Boaventura de Sousa Santos que muito tem haver com o PT e seu papel
futuro no Brasil e no Mundo.
Quarta
carta às esquerdas
Por Boaventura
de Sousa Santos
As
divisões históricas entre as esquerdas foram justificadas por uma imponente
construção ideológica mas, na verdade, a sua sustentabilidade prática—ou seja,
a credibilidade das propostas políticas que lhes permitiram colher
adeptos—assentou em três fatores: o colonialismo, que permitiu a deslocação da
acumulação primitiva de capital (por despossessão violenta, com incontável
sacrifício humano, muitas vezes ilegal mas sempre impune) para fora dos países
capitalistas centrais onde se travavam as lutas sociais consideradas decisivas;
a emergência de capitalismos nacionais com características tão diferenciadas
(capitalismo de estado, corporativo, liberal, social-democrático) que davam
credibilidade à ideia de que haveria várias alternativas para superar o
capitalismo; e, finalmente, as transformações que as lutas socias foram
operando na democracia liberal, permitindo alguma redistribuição social e separando,
até certo ponto, o mercado das mercadorias (dos valores que têm preço e se
compram e se vendem) do mercado das convicções (das opções e dos valores
políticos que, não tendo preço, não se compram nem se vendem). Se para algumas
esquerdas tal separação era um fato novo, para outras, era um ludíbrio
perigoso.
Os
últimos anos alteraram tão profundamente qualquer destes fatores que nada será
como dantes para as esquerdas tal como as conhecemos. No que respeita ao
colonialismo as mudanças radicais são de dois tipos. Por um lado, a acumulação
de capital por despossessão violenta voltou às ex-metrópoles (furtos de
salários e pensões; transferências ilegais de fundos colectivos para resgatar
bancos privados; impunidade total do gangsterismo financeiro) pelo que uma luta
de tipo anti-colonial terá de ser agora travada também nas metrópoles, uma luta
que, como sabemos, nunca se pautou pelas cortesias parlamentares. Por outro
lado, apesar de o neocolonialismo (a continuação de relações de tipo colonial
entre as ex-colónias e as ex-metrópoles ou seus substitutos, caso dos EUA) ter
permitido que a acumulação por despossessão no mundo ex-colonial tenha
prosseguido até hoje, parte deste está a assumir um novo protagonismo (India,
Brasil, Africa do Sul, e o caso especial da China, humilhada pelo imperialismo
ocidental durante o século XIX) e a tal ponto que não sabemos se haverá no
futuro novas metrópoles e, por implicação, novas colónias.
Quanto
aos capitalismos nacionais, o seu fim parece traçado pela máquina trituradora
do neoliberalismo. É certo que na América Latina e na China parecem emergir
novas versões de dominação capitalista mas intrigantemente todas elas se
prevalecem das oportunidades que o neoliberalismo lhes confere. Ora, 2011
provou que a esquerda e o neoliberalismo são incompatíveis. Basta ver como as
cotações das bolsas sobem na exata medida em que aumenta desigualdade social e
se destrói a proteção social. Quanto tempo levarão as esquerdas a tirar as
consequências?
A direita só se interessa pela democracia na medida em que esta serve aos seus interesses. Por isso, as esquerdas são hoje a grande garantia do resgate da democracia. Estarão à altura da tarefa? Terão a coragem de refundar a democracia para além do liberalismo? Uma democracia anticapitalista ante um capitalismo cada vez mais antidemocrático?
Finalmente,
a democracia liberal agoniza sob o peso dos poderes fáticos (Máfias, Maçonaria,
Opus Dei, transnacionais, FMI, Banco Mundial) e da impunidade da corrupção, do
abuso do poder e do tráfico de influências. O resultado é a fusão crescente
entre o mercado político das ideias e o mercado econômico dos interesses. Está
tudo à venda e só não se vende mais porque não há quem compre. Nos últimos
cinquenta anos as esquerdas (todas elas) deram uma contribuição fundamental
para que a democracia liberal tivesse alguma credibilidade junto das classes
populares e os conflitos sociais pudessem ser resolvidos em paz. Sendo certo
que a direita só se interessa pela democracia na medida em que esta serve os
seus interesses, as esquerdas são hoje a grande garantia do resgate da
democracia. Estarão à altura da tarefa? Terão a coragem de refundar a
democracia para além do liberalismo? Uma democracia robusta contra a
antidemocracia, que combine a democracia representativa com a democracia
participativa e a democracia direta? Uma democracia anticapitalista ante um
capitalismo cada vez mais antidemocrático?
Boaventura
de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da
Universidade de Coimbra (Portugal).
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