Por José Trindade
Fonte: http://www.brasilescola.com/brasil/regioes-brasileiras.htm |
O
debate federativo brasileiro desde muito demonstra uma forte dose de esclerose.
Nos últimos anos um conjunto de novos impasses gerados pela disputa de receitas
entre as unidades federativas e a União, assim como entre as próprias unidades
federativas, desencadeou um profundo mal-estar nacional. Vale observar que esse
quadro é agravado pela disputa eleitoral e antecipação indevida das eleições
presidenciais. O texto que segue, em duas partes, busca analisar os fatos desde
uma percepção do desenvolvimento regional.
Nos
últimos vinte anos pós-constituição de 1988 foram definidos de forma explicita
três amplos campos de disputa fiscal federativa: i) a configuração mista do
ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), com uma alíquota
interna, ou seja, percentual aplicável nas operações e prestações realizadas
dentro do próprio Estado de origem da mercadoria e uma alíquota interestadual
com percentual aplicável às operações e prestações entre contribuintes de
diferentes Estados (a depender da procedência poderá ser de 12% ou 7%); ii) a
ausência de mecanismos de equalização (condições e critérios de repartição) dos
dois principais fundos de transferência constitucional de uso não vinculados: o
FPE (Fundo de Participação dos Estados) e o FPM (Fundo de Participação dos
Municípios); iii) do mesmo modo, a caducidade dos critérios de equalização de outras
fontes de transferência, especialmente àquelas oriundas de fontes especiais:
como os royalties do petróleo e de outros recursos minerais.
Em
termos do ICMS, que é a principal fonte de receita própria dos Estados e que
apresenta um sistema misto de recolhimento, ou seja, é em parte coletado na
origem (maior parte) e parcela no destino, passou a ser utilizado como
importante mecanismo de atração de empresas ou mesmo manutenção de antigos investimentos,
via renúncia fiscal, acentuando as perdas de receitas por parte dos entes
federados e aprofundando a fragilidade fiscal dos mesmos. Segundo estudos, da
Secretária Executiva do Ministério da Fazenda (2010), as perdas totais
nacionais com a renúncia fiscal montaria a aproximadamente 25 bilhões de reais
nos últimos cinco anos.
Como
se denota na tabela abaixo, quase três quartos (71%) do ICMS recolhido no país
concentra-se nas regiões Sudeste e Sul, áreas mais dinâmicas da economia
nacional e que em função das características desse tributo, aliado ao uso dos
“gastos tributários” (incentivos fiscais), torna algumas regiões, notadamente o
Norte e Nordeste, fortemente dependentes das receitas de transferências. A
impraticabilidade de uma reforma tributária que alterasse as regras do ICMS
parece ser a principal tônica do desequilíbrio fiscal federativo, isso até se
colocar na ordem do dia dificuldades de ordenamento e interação federativa
ainda mais grave.
Participação
Regional: População e Principais Receitas Fiscais Federativas Nacionais - 2010 (%)
Regiões
|
População
|
ICMS
|
Cota-FPE
|
Cota-FPM
|
Cota-Royalties
|
Cota-CFEM
|
Norte
|
8,3
|
5,8
|
23,6
|
8,6
|
2,01
|
29,9
|
Nordeste
|
27,8
|
14,9
|
48,9
|
35,7
|
20,7
|
9,97
|
C Oeste
|
7,3
|
8,4
|
6,7
|
7,2
|
1,32
|
6,57
|
Sudeste
|
42,1
|
55,4
|
13,9
|
31,1
|
70,6
|
50,9
|
Sul
|
14,3
|
15,5
|
6,9
|
17,4
|
5,2
|
2,6
|
Fonte: STN (2012) e Ipeadata
(2012). Elaboração própria.
Nos
últimos meses o caldo federativo derramou de vez, agravando mais ainda as
disputas e a dificuldade de relacionamento entre os entes subnacionais. Os
critérios distributivos dos Fundos Constitucionais, especialmente o FPE, desde
muito eram questionados pelos Estados sulistas que, como se vê na tabela acima percebem a menor fatia do bolo. O
atual sistema de distribuição do FPE, definido pela lei complementar 62/89, foi
considerado inconstitucional pelo STF, inicialmente tendo validade apenas até
31 de dezembro de 2012, posteriormente prorrogado por 150 dias por decisão do
STF (Supremo Tribunal Federal). Há necessidade, portanto, de aprovação de nova
lei complementar. O rateio em vigor prevê que 85% dos recursos do FPE são
destinados aos Estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, daí o maior percentual
relativo dessas regiões.
O
projeto de lei do relator que trata das novas regras do FPE propõe que a partir
de 2013 cada Estado terá direito a receber pelo menos um piso, correspondente
ao valor destinado ao mesmo em 2012. O excedente que for arrecadado para o FPE
seria rateado entre os Estados até o final de 2014, com base em dois critérios:
proporcional a 50% da população e inversamente proporcional a 50% da renda
domiciliar per capita, apurados, para os dois fatores, no ano imediatamente
anterior. Segundo a relatoria do projeto, se um novo critério não fosse
aprovado até 2018, a regra continuaria em vigor. Conforme a manifestação de
inúmeras lideranças políticas dos estados sulistas, dificilmente se chegará a
um consenso quanto as regras acertadas, o que coloca um período longo de crise
federativa pela frente.
Conforme a manifestação de inúmeras lideranças políticas dos estados sulistas, dificilmente se chegará a um consenso quanto as regras acertadas, o que coloca um período longo de crise federativa pela frente.
Por
último, o ocaso da distribuição dos royalties do petróleo desencadeou a enésima
crise federativa. Pelas regras vigentes até 15 de março último, os estados
produtores receberam 26,25% dos royalties do petróleo em 2012, e os municípios
em igual situação outros 26,25%. Governos e prefeituras distantes das áreas
de produção ficaram com 8,75% do bolo. Com a nova lei sancionada, fruto de
grande pendenga no Congresso Nacional, estimulado pelos interesses de impor uma
derrota a presidente que tinha vetado os artigos mais problemáticos da referida
lei, a parte do bolo que será destinada aos governos e prefeituras distantes subirá
para 40% até 2020, em valores o Fundo Especial destinado aos Estados e
Municípios não produtores passaria dos atuais R$ 1,3 bilhão para algo em torno
de R$ 8 bilhões. Essa nova frente de confronto abriu forte cisma com os estados
do Sudeste que, como é possível visualizar na tabela, concentravam a maior
parte daqueles recursos.
Na
continuidade deste texto analisaremos os aspectos regionais e as condições de
desenvolvimento necessárias a construção de um novo pacto federativo.
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