Nesses dias de intensa disputa
social, econômica e política nas “terras brasilis”, vale muito a leitura do
texto de Bernabucci com base nos estudos do prêmio Nobel de Economia Joseph
Stiglitz, publicado na revista Carta Capital de 18/06/2013 e aqui reproduzido, mais ainda quando setores de classe média desavisadamente manipulados
pelas mídias das elites nacionais se voltam contrários a políticas sociais tão
básicas e necessárias como o programa bolsa família.
O estudo de Stiglitz demonstra a
relação inversa entre a concentração de renda e o crescimento econômico, o que
parece óbvio para alguns, não parece para aqueles que retrucam contrários a
distribuição de renda minimamente efetuada pelo referido programa social. Por
último uma observação: ao defendermos o
Imposto Sobre Grandes Fortunas, compreendemos que a taxação aos ricos possa
diminuir o triste perfil brasileiro de sociedade mundial mais desigual. Por
outro, talvez, tenhamos nesta elevada desigualdade um dos componentes
explicativos para as baixas taxas de crescimento da economia brasileira, mesmo
porque, por mais que tenha timidamente diminuído
em função dos ganhos salariais e do programa bolsa família dos últimos anos,
infelizmente ainda persiste, uma enorme concentração de renda e riqueza
Publicado em junho 18, 2013
(Carta Capital)
Quando o 1% mais rico concentra 25% da renda, explode a “bomba atômica econômica”, diz o Nobel Joseph Stiglitz
Por Claudio Bernabucci
A DESIGUALDADE mata o
desenvolvimento. Se a riqueza se concentra em poucas mãos, a crise é
inevitável. Parece quase uma observação banal- e de alguma maneira qualquer
pobre já sabia disso -, mas a grande novidade é que, a partir de agora, essa
verdade simples tem status de teorema.
Joseph Stiglitz, Prêmio
Nobel de Economia em 2002, sustenta que, se a riqueza está concentrada nas mãos
de poucos, é fatal cair em estagnação e recessão econômica, como nos anos 1930.
O axioma do economista norte-americano é demonstrado com dados incontestáveis e
confere dignidade científica ao princípio de que desigualdade e polarização na
renda prejudicam o crescimento e reduzem o PIB.
A oportunidade para
apresentar os resultados extraordinários de sua pesquisa, uma espécie de
pré-estreia mundial, foi a soa reunião científica da Sociedade Italiana de
Economia, Demografia e Estatística (Sieds), ocorrida em Roma, nos últimos dias
de maio. Stiglitz, que na mesma linha de pesquisa publicou, em janeiro passado,
o impactante livro O Preço da Desigualdade, apresentou na Universidade Europeia
de Roma o fruto de seus estudos mais recentes, elaborados com seu principal
colaborador italiano, o professor Mauro Gallegati.
O teorema de Stiglitz é
baseado na constatação empírica do que os economistas definem como “propensão a
consumir”: os ricos a têm em grau menos acentuado do que a classe média.
Portanto, se a distribuição de renda os favorece além de certos limites, o
consumo, ao contrário do que se poderia imaginar, fica deprimido. Somente uma
classe média bem-sucedida e favorecida pela distribuição de renda tende a
consumir todos ou quase todos os seus recursos, sustentando o PIB do próprio
país e a economia global.
O gráfico apresentado
por Stiglitz é muito eloquente: quando o 1% mais rico da população se aproxima
de possuir 25% da renda, explode a “bomba atômica econômica”. Aconteceu na
Grande Depressão dos anos 30 e se repete nesta década, com episódios menores no
caminho das crises.
A pesquisa
ítalo-americana ameaça ter efeito devastador entre as filas neoliberais. “Os
defensores da desigualdade argumentam que assegurar mais dinheiro para os mais
ricos produz benefícios para todos, porque isso levaria a maior crescimento”,
escreve Stiglitz em seu relatório. “Trata-se de uma ideia chamada trickle-down
economics (economia com efeito cascata). Ela tem longo pedigree, mas, faz tempo
que tem sido desacreditada.”
Resumido em poucas
linhas, o teorema se autoexplica de maneira muito clara, como equação
aritmética ou fórmula química não particularmente complicada. É baseado na
relação entre o Índice de Gini (ou seja, o indicador de desigualdade inventado
pelo economista italiano Corrado Gini) e a teoria da “propensão marginal a
consumir”. Quando o primeiro aumenta e indica o incremento da desigualdade, a
classe média freia ou para de consumir. Em consequência, o “multiplicador” de
investimento diminui, afetando o PIB e a evolução econômica positiva.
O teorema de Stiglitz
sobre “distribuição e multiplicador” pode ser sintetizado na seguinte definição:
se a má distribuição da riqueza acentua a desigualdade, então a propensão
marginal ao consumo (C)diminui e o Índice de Gini (G) aumenta, o que provoca a
diminuição do valor do multiplicador econômico, com base na fórmula > ml =
1/(1- C)k (1/1-G).
A elite econômica
mundial, dessa forma, fica sem argumentos. Tudo indica que a equação de
Stiglitz representa o ataque mais formidável até agora lançado aos já
vacilantes fundamentos da economia mainstream. Pelo menos na batalha teórica.
Faz alguns meses, o primeiro golpe foi dado diretamente pelo FMI, que desafiou
o dogma da austeridade ao calcular que o corte do déficit de 1%pode reduzir o
PIB em até 2% e não só – como se acreditava até então – em 0,5%.
A segunda pancada foi
acertada poucas semanas atrás por um grupo de estudantes do Instituto de
Tecnologia do Massachusetts (o famoso MIT de Boston): ajudados por alguns
professores, eles descobriram um erro no programa de planilhas Excel. Com base
nesse achado, desmontaram consequentemente a teoria da dívida de Kenneth Rogoff
e Carmen Reinhart – um dos emblemas do neoliberalismo -, segundo a qual a
relação entre PIB e dívida acima de 90% leva inevitavelmente à recessão.
Enfrentado pelos estudantes-Davi, o axioma-Golias teve a cabeça cortada.
Esse último assalto ao
neoliberalismo da dupla Stiglitz-Gallegati mostra-se ainda mais perigoso do que
os precedentes. Segundo o Prêmio Nobel, a desigualdade corrói o PIE até
matá-lo, não só por causa da queda do consumo, mas também porque o sistema em
que prevalecem renda, concentração financeira e monopólios é ineficiente. “A
caça à renda”, comentaram os dois pesquisadores, “leva muitas vezes a um
desperdício de recursos que reduz a produtividade e o bem-estar.”
Isso reforça a tese da
insustentabilidade de um sistema capaz de permitir uma grande parte do
rendimento e da riqueza nas mãos de poucos. Nas últimas três décadas, o mundo
tornou-se cada vez mais rico, mas a distribuição de rendimentos entre países e
entre classes sociais de um país ficou cada vez mais desigual. Isto significa
que os ricos têm se apropriado de uma porcentagem enorme do crescimento e do
incremento da produtividade.
Como corolário de tal
concentração (e bem descrito no gráfico ao lado), na última década em
particular verificou-se um tremendo abismo entre a economia real e o setor
financeiro, com enormes capitais a se acumular e circular livremente no mundo
globalizado como uma nuvem pouco transparente e ameaçadora. Dessa nuvem não
chove a riqueza benéfica dos investimentos nem a bonança para o planeta. Muito
pelo contrário, ela tende a se reproduzir predominantemente através da dinâmica
perversa dos artifícios financeiros: dinheiro cria dinheiro sem produzir
trabalho ou justiça social. Além de desigual e eticamente inaceitável, essa
situação só abre céus azuis ou bem-estar para poucos e tempestades ou
sofrimentos para os demais.
A redistribuição
concertada de riqueza e rendimento tem sido essencial para a sobrevivência de
longo prazo do capitalismo. Estamos prestes, portanto, a assistir ao ocaso das
formas mais perversas do neoliberalismo que infestaram a história recente.
Quanto mais forte for a resistência à mudança por parte dos defensores do
status quo econômico-financeiro, piores consequências sofrerão o sistema e as
partes mais vulneráveis dele.
Nesse quadro, o Brasil
da última década apresenta-se como uma das experiências mais promissoras, pois
caminha em direção oposta ao mainstream. Mesmo perdurando a gravíssima
desigualdade, fruto de uma herança secular maldita, um presente ofensivo da
elite nacional à história pátria o processo de redistribuição de renda cresceu
nos últimos anos de maneira acentuada. Isso se deve à política econômica –
desenvolvimentista e antineoliberal – iniciada em 2003, que teve papel
fundamental na melhora do desempenho do País.
A nova teoria do norte-americano Stiglitz e do italiano Gallegati confere dignidade cientifica também à política econômica lulista dos últimos dez anos, goste ou não a elite brasileira.